Quarenta e seis

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Gustavo narrando

Quando a Julia falou da tatuagem mal feita de sereia, o Rogério já veio na minha cabeça. Ele é o maior rato do engenho novo, tá sempre por ali. Depois de deixar ela em casa, fui direto pro barraco dele. Dei uns murro na porta e logo uma fresta foi aberta.

— Porra, GC, tava sumido, hein! – Ele falou, abrindo a porta para que eu entrasse.

— E aí, Rogério, tu continua na mesma né? – Eu disse, olhando ao redor.

— Que nada, pô. Casei com a morena, tamo morando lá no Chapadão.

— Ah é? E por que tu não brota lá em casa, arrombado?

— Nem sobra tempo. Mas fala, o que tu veio procurar aqui?

— Uma mochila.

— Vai voltar pra escolinha? – Riu.

— Até parece.

— Tem umas ali, irmão. – Apontou.

Fui até o canto, procurando alguma que pudesse ser da Julia. Foda é que todo mundo da escola dela usa mochila igual, então tinha umas 5 lá da mesma.

— Essa aqui – Apontei. – Como era a dona dela?

— Ah, não lembro. Acho que era uma mina magrinha do cabelo rosa.

— E essa?

— De uma morena riquinha aí.

Abri a mochila e peguei o caderno, vendo o nome da Julia na primeira folha.

— É essa mesmo. – Murmurei, pendurando a mochila nas costas.

— Mas você quer uma mochila pra que?

— Curioso você, né? – Ri.

— Que isso, a gente é parceiro de anos. Conhece essa mina de onde?

— Cuida do seu trampo, Rogério. Aliás, esconde essa tatuagem quando for assaltar, isso ainda vai te dar dor de cabeça.

Ele sorriu e eu dei um aceno de cabeça, logo saí. Mochilinha pesada, hein? Essa escola deve tá querendo matar os alunos, só pode. Quando cheguei no morro, fui direto pra casa, porque tava morrendo de fome. Ao entrar, já dei de cara com o meu pai puto da vida.

— Onde tu tava? Te liguei um milhão de vezes e você não atendeu!

— Deixei o celular no silencioso, o que tá rolando? – Perguntei ao olhar para a sala e encontrar meu tio.

— Eu que pergunto. O que você tava fazendo no meu condomínio com a minha filha?

— O condomínio não é seu. – Respondi, levantando uma sobrancelha.

— Gustavo, não começa. – Meu pai alertou.

— O condomínio pode não ser meu, mas você estava na porta da minha casa com a Julia. Foi fazer o que lá?!

— Fui levar ela, já que você não faz isso. – Levantei as mãos, em defesa.

— Mas é um incoveniente mesmo, viu!

— A sua filha – Enfatizei. – foi assaltada e você só tá preocupado se eu levei ela em casa?

— A questão do assalto é com a polícia, eu faço o que está no meu alcance para proteger a Julia!

— Então tá fazendo o que aqui?

— Meu trabalho como pai. Não quero mais você perto dela. Não quero nem sonhar que você passou perto da minha casa. Se o porteiro te ver passando pela rua do condomínio, ele vai me avisar, e aí sim teremos problemas. – Ameaçou.

— São muitas exigências.

— Entendido, Marcelo, ninguém aqui quer arrumar problema contigo. Vai embora. – Meu pai disse.

— É bom mesmo. – Se virou pra sair, mas logo voltou. – E pare de manipular minha filha, fingindo que você é o salvador da pátria, porque sabemos que não é bem assim.

— Eu não manipulo a Julia. Ela já tem idade pra ter opinião própria, sabia? – Revirei os olhos.

— Isso é o que você diz. Eu conheço ela melhor do que ninguém, eu vi aquela garota nascer, e eu sei que ela jamais te defenderia se soubesse o quão ruim você é!

— Chega! Você não vem na minha casa pra dizer que o meu filho é ruim, até porque, você não pensava assim antes de descobrir que a Julia se apaixonou por ele! – Meu pai interferiu.

— Ela está cega! A minha filha não é uma irresponsável, só não sabe ainda em quem pode confiar.

— Pois eu acho que a Julia sabe muito bem em quem confiar. Na verdade, você provavelmente tá assim porque percebeu que ela se sente muito mais segura comigo, já que me procurou depois que foi assaltada, né?! – Gritei enfurecido.

— E você acha isso bonito? Gosta de ficar envolvendo minha filha nas suas merdas? Espero que saiba que se um dia ela aparecer morta, a culpa é sua!

— Eu já falei pra você ir embora. Não quero repetir. – Meu pai disse de forma exaustiva.

— Espero não ter motivos pra voltar. – Afirmou e depois me olhou de cima abaixo, fazendo cara de nojo. Foi a gota d'água pra mim.

— Leva logo essa porra! – Falei, jogando a mochila nele. – E não volta, senão eu vou te tirar daqui no soco.

Ao terminar de falar, subi pro meu quarto. Esse cara é babaca demais, não dá, queria poder resolver isso tudo do meu jeito. Mas é da "família", né, existem restrições. Essa confusão toda até me fez perder a fome. Me joguei na cama e passei bastante tempo pensando em tudo que tem acontecido.

Pra que eu fui me meter com essa mina, na moral... As coisas não estão boas por agora e a tendência é piorar. Eu mudei pra caralho depois de conhecer a Julia, mudei pra melhor, não tem como negar. Ela chegou quando eu achava que estava no melhor momento da minha vida, bagunçou tudo, depois arrumou de novo, me mostrando uma forma diferente de ver minhas próprias atitudes. Eu não quero perder isso, não quero perder tudo que a gente pode viver junto, mas também não posso fazer ela ir contra o próprio pai pra entrar no meu mundo errado. Não é justo.

Meti as mãos nos bolsos, procurando pelo celular. Quando peguei, desbloqueei a tela e abri a nossa conversa no whatsapp. Decidi que era melhor não pensar muito no assunto. Suspirei e comecei a digitar uma mensagem.

Eu | 13:10
Olha, eu não quero te machucar
Mas também não quero te meter em problema
Não dá pra gente continuar com isso
Desculpa
Amo você

Me arrependi 2min depois de enviar as mensagens e voltei correndo no whatsapp pra apagar, mas ela já tinha visualizado e estava digitando uma resposta. Porra, por que Deus me fez impulsivo assim? Quando recebi a notificação, respirei fundo antes de abrir.

Gostosa | 13:12
tudo bem, Gustavo.
amo você.

Eu conseguia sentir a raiva nas suas palavras atravessando a tela do celular. Não estava tudo bem.


amo vocês, obrigada pelos 4k <3

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