Capítulo 46

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Gideon

Acordei sobressaltado. Minha primeira reação foi colocar a mão do outro lado da cama, a procura dele.
Bom, Rafael não está aqui.

Fiquei na cama por mais alguns minutos até decidir de fato levantar. Desnorteado, esqueci que estava na casa de Rafael. A noite logo veio à mente: Palavras sussurradas, gemidos lentos e mãos rápidas. Era uma turbulência de sensações e prazer, principalmente. Eu queria negar que não estava apaixonado por Rafael, mas isso seria como negar que o céu é azul ou que chocolate é ruim.

Vesti a mesma roupa de ontem - agora muito mais amassadas - e vi a mensagem que Kien me mandou às três da madrugada. Eu não fazia ideia do que ele andava fazendo as essas horas sendo que o que pedi a ele podia ser mandando pela manhã. Mas que bom que ele me respondeu, mandei uma mensagem perguntando se ele estava bem. - Não espero uma resposta tão cedo.

Fui até a cozinha. O cheiro de café me mandava seguir aquela linha invisível.

- Você sabe fazer café? - Indago ao parar na entrada da cozinha, vendo Rafael Laurent colocando café em  xícaras. Em duas.

- Eu sei não estragar um café. Fazê-lo é outra história... É razoável você vai ver. Ou prefere comer em algum restaurante por aqui por perto?

- Está tudo bem. - Afirmo sorrindo.

Acho que ele gostava de me ver sorrir. Só não gostava quando eu ficava vermelho; bom, é difícil não ficar.

- Aonde seu pai foi parar?

Parei a xícara a meio caminho da boca. Congelo enquanto meu coração faz uma maratona de repente. Procuro as palavras certas, não parecer haver nenhuma perfeita para o caso.

- Ele vive viajando. Não tem como saber aonde ele está neste exato segundo. Ele também nunca diz.

- Ele é um andarilho.

- Sim! E... Só fala no telefone quando quer. O que vai fazer hoje? Gostei do que disse sobre seu irmão ontem.

Ele parece ter esquecido. As maçãs do seu rosto tomaram um tom levemente rosado, sem brincadeira nenhuma eu abri a boca ao ver Rafael Laurent corar.

- Hmm... Eu não sabia o que estava dizendo.

- Parece que sabia. - Beberico o café. Ele tem razão; é razoável. - Falou com muita convicção... Eu gostei.

- Hmm... - Ele repetiu - Tenho que ir logo. A empresa ficou em meu segundo plano por tempo demais. O que vai fazer?

Dou de ombros. Realmente não tenho nenhum plano para agora, mas talvez meus planos sejam só meus.

- Não sei. Escute... Será que um dia a gente vai... não sei... assumir alguma coisa?

"Assumir". Eu estava com medo de dizer esta palavra em voz alta, eu tinha medo até de pensar nele em alguma frase coerente. Mas quem disse que eu controlo o que penso? A pergunta ficou no ar por segundos tão longos que fizeram o café que tomei afundar no meu estômago, o peso de uma âncora indo cada vez mais para o fundo e no fim, fazendo doer.

O celular dele tocou. Foi isso que fez com que ele me desse tchau e atendesse o telefone indo para longe. Que droga.



***



Andava pela rua distraidamente pensando em como, em 20 anos, minha vida foi parar assim. Do jeito que está agora. Eu queria uma vida boa, ou mais do que isso porque eu queria uma vida onde as pessoas não precisassem saber tudo, ou as partes ruins de mim. Eu convivo com um demônio interior tão frio e calculista quanto Rafael. Não sou uma pessoa má, mas sou daquelas pessoas boas que fazem coisas más para que não sejam horríveis. Existe uma diferença, sei que não parece, mas existe. Eu estou em uma linha vermelha onde separam o bem e o mal. Estou no meio.

Sou bem porque creio nisso. Ou quero crer com tanta força que choro. Kien acredita em mim, sei que outras pessoas também, que conheci ao longo da vida.

Acredito que sou mal porque não luto contra o que sei que está errado. Acovardo, fico na minha e deixo acontecer. Vejo as coisas ruins passarem diante de mim como se não fossem nada enquanto um pensamento  - "O que eu poderia fazer" - passava pela minha cabeça.

Dentro de todo mundo, ainda acredito, existe a maldade e a bondade. Dentro de todo mundo existe o conflito, a guerra desses lados. Geralmente fico insuportável tentando decidir. Mas já sei a resposta. Sou um grande redemoinho de maldade com pontos de bondade, eu aprendi a amar, afinal.

Foi tendo esses pensamentos que não notei quando tentaram me derrubar enquanto eu estava passando por uma rua silenciosa ainda pela manhã. As casas estavam fechadas ainda. O braço dessa pessoa se fechou na minha nuca; foi o meu movimento mais rápido em acertar meu cotovelo nas costelas de quem quer que seja.
A pessoa arfa de dor e sinto o cheiro do seu hálito. Sem quem é antes mesmo de me virar e ver Elias ali.

Então tenho certeza de que ultrapassei a linha do mal quando giro o braço dele para que sinta dor. A dor mais insuportável. Elias grita. Sinto meu sangue ferver porque lembro de tudo que ele já me fez no Hot.
Deixei que ele espancasse minhas costelas apenas para não mostrar que eu era bem mais forte e habilidoso. O rosto dele está ficando vermelho.

- Para!

Mas não paro. Lembro de tudo que aprendi na infância. Elias é um valentão bonito que acha que pode ter tudo, típico, idiota, irritante, maldoso, ele era pior que eu.

Elias é muito pior que eu. Muito pior.

Foi então que eu quebrei o braço de Elias em um único movimento. O som do osso se partindo foi terrível, o que fez com que eu me arrependesse no mesmo instante.
Laguei-o na calçada. Ele tentando não gritar de dor e eu tentando não me mexer.

Olhei para os lados.
Outra pessoa tinha observado tudo isso.

Minha Submissão | Série Irmãos Laurent-(Livro 4) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora