Capítulo 20

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Rafael Laurent

O quarto do hospital estava ficando sufocante; de um jeito que nunca pensei. Acabei saindo antes do pretendido, minha ideia era lhe responder algumas perguntas, tentar iniciar uma conversa explicativa, mas sou tão péssimo em conversar quanto sou de... Não consigo pensar em um defeito agora! Encontro-me com meu pai. Algo contraditório devido à conversa que tivemos há alguns dias. 

- Ele está bem?

- Está. 

- Sua mãe disse que sente muito. Eu disse que ela precisava parar de pensar assim porque foi um acidente e..,

- Não foi um acidente, pai. 

Ele me olhou como se já adivinhasse. Bom, ele não é idiota a maioria das coisas que sei aprendi com ele. Não foi um acidente, o tiro tinha que me acertar, mas Gideon se jogou na minha frente por algum instinto com zero por cento de bom senso. Pura sorte dele não ter atingido um órgão ou pior. Eu não havia lhe agradecido. Droga!

Presto atenção no meu pai de novo.

- Então o que aconteceu?

- Pode ter sido qualquer um. Todos temos inimigos.

- E o que você fez para ter inimigos? - Ele me olha tão questionadoramente que fico ofendido. 

- Às vezes - lhe respondo - não precisamos fazer nada e as pessoas nos tornam seus inimigos, assim, sem razão. Vivemos em uma sociedade decadente. 

Ele prestou atenção nas minhas falas como se elas fossem palpáveis como num quadrinho, o olhar era sábio, mas é difícil saber se está querendo replicar ou apenas está refletindo. Não fiz ideia do que falei até cinco segundos atrás. 

- Como vai resolver isto? 

- Vou tentar resolver isso... Não diga a minha mãe que não foi um acidente.

- Sua mãe vai descobrir em menos de quatro segundos. Você sabe como ela é. 

Ele tem razão. 

Ficamos um tempo em silêncio. Eu queria convidá-lo a se retirar do escritório, mas ainda havia algo mais pairando entre nós. Uma conversa que ambos não queremos conversar: sempre achei que meu pai era sinônimo de decidido, um homem dono da razão e poder. Quando cresci aprendi que ele não é nada mais do que um homem habilidoso que também comete erros, que pode machucar, que pode me machucar. Acho que é por isso que não quero iniciar uma conversa com ele de novo, pois toda a conversa que tento iniciar não termina bem. A probabilidade de brigarmos é de mais; não quero brigar com meu pai mais uma vez. É difícil saber o que ele ainda pensa de mim ou deixou de pensar, mas minha mente também está vaga, nublada e isso é resultado de uma noite inteira em claro. Vi os minutos se passando no celular, alternei meu olhar entre o teto, o chão, os desenhos das paredes infantis e ele. Olhava mais para ele, olhava para o gráfico dos batimentos praticamente a cada instante. Foi minha segunda noite em claro e isso está me afetando mesmo que eu diga que não. 

- Rafael? Te ves agotado. 

- Estoy bien.

Ele sabia que era uma meia verdade. Talvez se eu ousar levantar ele considere isso um convite de retirada. Ao me levantar percebi que estava faminto, não só isso como querendo uma distração logo. 

- Preciso trabalhar. - Digo.

- Eu sei que precisa. Bom trabalho, hijo. Lembre-se que pode conversar comigo.

Eu me lembraria disso, me lembro sempre, pai. Eu só não consigo conversar com você.

O levo até a porta. 

- Você não quer... comer algo? Você fez uma expressão que reconheço bem... 

- Não. Não agora. Obrigado, pai. 

As minuções de tentativas dele haviam se esgotado, finalmente. Ele me abraçou e se foi. Antes que eu pudesse fechar a porta, Elias e Josué apareceram no corredor só de toalha. 

Talvez eu deva comer em outro momento, outra coisa.



***


A mãe de Hall ainda trabalha no Berry's e foi ela quem me atendeu. 

Ainda não a ouvi falar isso, mas ela também ficava ressentida ao meu lado, como a maioria das pessoas. Posso fazer uma lista contada nos dedos das pessoas que não se ressentem ao meu lado: 

Minha mãe (Ela nem deveria estar nesta lista, mas vou incluí-la porque quase consigo ouvir sua voz brigando comigo por não o fazer)

Davi (De novo, nem ele devia estar nesta lista) 

Elias

Ed.

Gideon. 

Acho que deveria começar a fazer uma lista com o propósito contrário. 



Às sete da noite quando estou trabalhando na sala de casa recebo uma mensagem.

"Estou fora do quarto das crianças e ganhei uma balinha por bom comportamento!"

Mais uma mensagem abaixo.

"Sua mãe me deu seu número"

Não lhe respondi imediatamente. Minha mente pareceu travar naquelas duas mensagens enquanto o tempo passava e no final, não soube o que responder e deixei o celular de lado, afundei no trabalho mais uma vez. Sempre achei que quando meu pai afundava em trabalho era porque ele não tinha nada mais importante para fazer, deixava Kevin chateado quando éramos crianças, mas agora acho que nós quatro o entendemos agora, já adultos. Afundar a cara em papéis, cuidando de problemas que deveriam ficar em segundo plano era melhor que encarar os problemas do agora, uma coisa levava a outra, você se coloca num labirinto e finalmente amanhece e você não percebeu, como agora. De novo.

Coloco a pilha de papéis de lado, desligo meu computador e olho as mensagens de novo antes de levantar e saber que tenho que encarar mais um dia. 

Algo borbulhava dentro de mim, mas a dor de cabeça não me deixou pensar direito. Latejava como o inferno e tomei um comprimido antes de sair de casa e ir direito para a empresa. Mais tarde eu visitaria as duas baladas, onde estava com a cabeça quando fiz isso?


Quando o encontrei, ele estava servindo Ed. Que sorria para ele como um bobo. Ed era atraente, muito atraente. Talvez atraente seja um eufemismo, mas ainda vale. Os dois pareciam estar em uma conversa entusiasmada, em um momento Ed passou um cartãozinho sobre a bancada e Gideon o pegou gentilmente e colocou no bolso da calça. Aquilo fez minha dor de cabeça voltar mais forte, mas não importa, ele parecia bem e é apenas isso que importa. Voltei para o carro e dirigi até o Hot. 

No meio do caminho ele me mandou uma mensagem.

"Vi você"

Não lhe respondi de novo.

Minha Submissão | Série Irmãos Laurent-(Livro 4) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora