Capítulo 10

2.6K 266 20
                                    

Rafael Laurent

Havia uma série de coisas que eu podia ter feito, mas não fiz. Eu devia ter ajudado aquele garoto que jazia no chão, com a cabeça sangrando e os lábios roxos, a face tão vermelha como se estivesse prendendo o ar. Eu devia tê-lo levantado do chão, para que sua situação fosse menos humilhante. Mas tudo que pude fazer foi tirar uma adaga das minhas costas e enfia-la na perna de Bryan, apertando com força e prendendo-o à parede para que não pudesse lutar, para que não tivesse outra alternativa a não ser sentir a dor. O sangue dele inundava minha mão e logo o pulso todo, o deixei escorregar pelos azulejos até que ele gemesse de dor; mas eu sentia que a cara dele ainda estava muito delicada, por isso não senti culpa ao socá-lo até que seu nariz fizesse o tão famigerado som quebradiço. Era um som que eu adorava. Ele me falou um série de xingamentos, não dei importância para nenhuma. Retirei a faca de sua perna e ele gritou, sei que, como sobrevivência não se deve retirar a arma da sua pele para que não sagrasse mais, mas, em primeiro lugar, eu queria que ele sangrasse e em segundo lugar se tem uma coisa que aprendi é que não se deve deixar seu inimigo com uma arma mesmo que ela esteja o ferindo, sua arma pode se virar contra você em questão de segundos.

Levantei Gideon do chão e vesti sua roupa. A respiração dele estava fraca, quase inexistente e eu sabia que não podia pedir que ele andasse, eu teria que me virar neste lugar mesmo. Andar com ele em meus braços por entre os guardas seria como ligar uma luz neon em cima da minha cabeça afirmando que havia algo de errado. Levei ele nos meus braços até um quarto. Todas as portas são trancadas, você só pode destrancá-las com um cartão roxo. Em contrapartida, eram portas de material frágil e dois chutes resolveram o meu problema. O coloquei na cama dossel e fui até o banheiro de novo: passei por Bryan como se ele não fosse mais que um besouro para mim. Rasguei parte da minha camisa e a molhei, depois voltei para o quarto. 

Não acredito que estou fazendo isso.

O pano molhado deslizava pela testa dele e pelo queixo. Abotoei suas calças. A camisa está amassada, por sorte, não rasgada. Estava com marcas no braço, ele é tão pálido que ao menor toque sua pele fica avermelhada; tentei não lhe tocar tanto.

Passaram-se dez minutos inteiros para que ele levantasse a cabeça e murmurasse:

- Me diga que esse pano não é sua cueca. 

- Não é. Fique quieto.

- Não quebrei nada, estou bem... 

Ele tossiu e se arrastou até o outro lado da cama e assim vomitou.

Espere que ele terminasse. Ao contrário do cheiro de sangue, o cheiro de vômito me incomodou e quase pensei em sair do quarto para respirar, mas ele voltou à cama e respirou com força.

- Podemos ir embora?

- Podemos. Foi um erro trazê-lo.

Ele ficou calado. Pensei que iria se levantar já que perguntou se poderíamos ir embora. O cheiro do vômito se intensificou um pouco mais e Gideon tossiu mais uma vez. 

- Bryan sabia que eu trabalhava no Hot como garoto de programa. De alguma forma ele sabia. Tenho certeza. Fez isso comigo porque achou que eu não ligava, que eu era um robô, um idiota. Vê o quanto isso é ruim?

- Eu entendo.

- Não. Não entende.

É. Eu não entendia e tentar ser empático me tornou mais hipócrita ainda. Esperei até que ele levantasse da cama e ergue-se. 

Quando saímos do quarto e passamos pelo banheiro Bryan não estava mais lá, mas a há uma mancha de sangue formando uma poça no chão e mancha de dedos nos azulejos da parede, ele andou cambaleando e só os céus sabem se ainda conseguiu andar muito longe. Peter, David e Ed tinham sumido, os seguranças - Martin principalmente - ficaram olhando para nós até que tenhamos entrado no carro. Gideon se manteve calado o tempo inteiro e é nesse momento que queria poder ler os pensamentos dele, não importa o quão desastrosos seriam. Será que estava me xingando ou xingando Bryan? Não contei a ele a causa do sangue ter sido por minha autoria, talvez ele imagine isso. Parece que demoramos mais para retornar do que qualquer outra coisa. Mas peguei um caminho diferente no último segundo. 

- Está me sequestrando?

O tom ácido dele era divertido e aborrecente, nunca tinha provado essa mistura. 

- Talvez. 

Continuei a dirigir e não respondi mais nenhuma pergunta. - Não que ele tenha feito muitas.


Chegamos à minha casa em longos e silenciosos minutos. Quando ele entrou pareceu perplexo.

- Sua casa... É bem modesta.

- Isso é um elogio? - Ele assentiu enquanto estava de costas para mim. - Que seja. 

Ele olhou para as quatro paredes da minha sala e para o sofá. Olhou para o teto por tempo demais e depois se virou para me encarar. Parecia pensar em uma forma de fugir de mim e entendo o porquê. Seria difícil ele se acostumar de um minuto para o outro estar sozinho com um homem de novo, acabou de passar por um evento traumático.

- Pode dormir aqui se quiser. O outro quarto ainda está cheio de caixas. 

- Não vai me oferecer seu quarto? Sou visita.

- Porque eu faria isso? - Lhe lanço um sorriso, o maior que consigo, mas acho que não é o suficiente para tranquilizá-lo. - Não se preocupe, eu não vou fazer nada contra sua vontade, nem vou lhe falar nada, nem falar a ninguém. Manteremos isso só... entre nós.

Gideon assentiu como se pensasse na ideia. 

Depois tirou os tênis e caiu no sofá.

- Isso é melhor que muita cama. - Murmurou contente. 

Deixei ele ficar no lugar dele e subi para onde é o meu quarto. Ainda tinha que me acostumar com a casa, com o lugar onde os móveis estão. 


Quando já estou deitado, repenso no porque levei Gideon até lá. 

Ele nunca saberia, claro, mas o Gin's tinha uma espécie de campeonato onde o membro que levasse o acompanhante mais desejoso, o mais bonito. Gideon é a definição de tudo isso e tinha o ar inocente. Sinto uma pontada de culpa aguda por pensar que o usei em segredo mesmo sabendo que fiz isso quando ele mentiu a meu respeito antes; isso não justificava muita coisa, sei disso, mas eu sei que a culpa vai desaparecer pela manhã. Eu não tinha que tornar isso mais um fardo para mim, logo eu nem falaria com Gideon, iria tratá-lo apenas como meu funcionário, que é o que ele é. Só isso. 

Penso a respeito de Davi também. Ele não sai da minha cabeça. Sua cirurgia parece ser um pesadelo acrescentado à realidade e isso me deixa louco. Louco. 

Respiro fundo e tento dormir. O relógio marca uma da manhã. Só consigo pegar no sono pelas três.




Minha Submissão | Série Irmãos Laurent-(Livro 4) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora