Capítulo 59

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Gabriel

- Vivo. Felizmente. - A voz do doutor inundou meus ouvidos quando pensei que iria desmaiar de tanta aflição; por sorte meu corpo resistiu a tentação e continuei ouvindo, sentindo. 

O ambiente ao meu redor pode não ter sido o último em que pensei estar porque o hoje foi cheio de perigos, sons e golpes mortais. Estar em um hospital é o último lugar que queria estar, mas foi o primeiro que pensei que estaria depois do quê aconteceu no jardim. Meu pai estava em um desses quartos, tendo consigo dois policiais - tive de me esconder quando eles apareceram -, para que não fugisse ou tentasse mais uma vez dar um golpe. A sorte não estava mais a seu favor, ainda bem. Diego ficou a maior parte fazendo ligações, não se deu ao trabalho de explicar para ninguém o que estava fazendo. Talvez a família Laurent inteira seja assim, distante por alguns momentos, mas sempre tentando proteger uns aos outros para que este tipo de situação nunca acontecesse. Mas eu tinha feito acontecer. Tudo isso é culpa minha.

Andei em direção às portas, à saída. Eu não conseguia mais ficar confinado perto deles. Hall estava nervoso demais, Caleb e Kevin se envolviam em palavras carinhosas e diziam a todo tempo que tudo ia ficar bem. Diego e os pais nem sequer olharam para mim. Eu havia tentado matar o filho deles e quando decidi que não queria mais isso, quase o matei de verdade. O ar livre me recebeu com vigor; o vento forte fez com que meus pulmões sentissem a pressão contra e dentro, para depois expulsarem tudo. Gostaria de expulsar minha dor assim como meus pulmões expulsam o ar. Tudo tão rápido, tão fácil. Meu corpo todo ainda estava tentando registrar - e afirmando - de tudo que aconteceu. 

Eu repasso o momento todo na minha cabeça. Rafael apareceu, nos encontramos e pensei que tudo iria ficar bem de novo, lutamos ao lado das pessoas que apareceram por mim, por nós. Então meu pai jogou uma ponta afiada na minha direção e Rafael quem foi acertado e mesmo assim fingiu estar bem. Fingiu porque sabia que se eu me preocupasse perderia a cabeça no momento em que mais precisava dela. Me perguntei se poderia manter minha mente calma se ele tivesse me dito. Concluí que não. Quando Rafael decidiu desmaiar eu surtei. Rafa ficou assustado em me ver daquele jeito, mas eu não conseguia evitar, eu ficava louco quando pensava em perder mais pessoas do que já perdi. 

Andei por tantos minutos que me dei conta que estava em frente a casa de Kien. Não queria entrar e incomodá-lo, nem mesmo queria ver Rafa. Ele deveria estar cansado. Ambos. Eu mesmo me sentia cansado: Depois que uma enfermeira limpou meus ferimentos do rosto e das costas disse que eu precisava tomar algum remédio que nem mesmo me lembro o nome e descansar. Descansar muito. Então fui bater em outra casa.

Ed abriu a porta em poucos segundos. Eu praticamente me joguei em seus braços antes de desabar em lágrimas. Lágrimas que eu estava prendendo desde que vi o sangue de Rafael manchando as minhas mãos no asfalto, o corpo dele parando de se mexer e os olhos fechando de uma só vez. O momento não foi lento, foi rápido. Foi isso que me prejudicou mais, o que doeu mais. 

- O quarto de cima está limpo e livre. - Ed disse, me abraçando com força. Nenhum de nós tentou para acabar o abraço tão cedo.




***




Acordei às cinco da manhã. Meu corpo todo implorava que eu ficasse na cama, minhas costas praticamente queimaram de dor e me lembrei de pedir a Ed remédios para dor antes de sair em disparada para o hospital. Quando cheguei, percebi que algumas pessoas tinham passado à noite ali: Diego, Valentim e Andressa. Quando olharam para mim eu soube que não me queriam por perto, mas não ousaram dizer nada. Eu estava ali porque me importava, repeti para mim mesmo, porque queria ver Rafael bem de novo. 

- Ele chamou por você. - Andressa me disse, diminuindo o nível de acidez na voz. Considerei aquilo um cessar, por ora.

- Sério?

- É. Fui visitá-lo após insistir muito às enfermeiras.

Dei um sorriso amarelo para ela. Não queria, juro que tentei, mas tive de dizer: 

- Eu amo ele.

Diego olhou para mim. Realmente olhou e eu soube que aqueles olhos castanhos ferozes poderiam rasgar meu corpo ao meio se isso fosse possível. Eu não duvido que suas mãos queiram fazer isso mesmo tendo dezena de testemunhas.

Deja de ser inocente, por eso no tienes nada.

Dei um sorriso para ele e disse, em sua língua: 

- No estoy realmente. Pero el amor no necesita inocencia, necesita coraje

Isso fez com que ele se calasse. 

- Aprendi espanhol há muito tempo - revelei -, assim como inglês, alemão e francês. Não sou a pessoa que me apresentei e não podia arriscar contar a verdade. Se eu contasse, colocaria todos em uma situação pior do que já estamos. 

O cheiro de desinfetante inundou meus pulmões e senti ânsia. A bile subiu e desceu rasgando minha garganta. Engolir foi um enorme esforço. Me concentrar foi um esforço maior ainda.

- Eu estive lá, Diego. Quando Hall quis pular daquela ponte. Eu vi o que fez por ele e depois sei que se reencontraram. Sei quem foi Tiago Sapiz e o que ele fez. Na verdade, meu pai conhecia ele melhor do que eu. Eu estive por perto quando Caleb e Kevin se conheceram naquele shopping e até mesmo quando Will foi apresentado a seu filho, Davi. Fiquei... Obcecado por todos vocês, por tudo que passaram e por tudo que amaram. Mas me obriguei a parar porquê... Vi que meu pai iria querer me usar, usar as informações que eu tinha. Meu plano, desde sempre, foi encontrar Rafael. Roubei os arquivos do meu pai do escritório, passei a ter duas vidas, a que escondia do meu pai e a que ele desejava. Eu era Gideon durante dois dias ou mais, ou menos dependendo do temperamento do meu pai. Gabriel, à noite, durante treinamentos e sofrimentos. Desde sempre eu soube que poderia fazer mal à família de vocês, mas não pude evitar. Deixei que aquelas coisas acontecessem a Will, a Caleb e a Davi quando ele foi sequestrado também. Se eu movesse um único dedo meu pai saberia e pior, eu condenaria vocês antes mesmo de ter a... Oportunidade de conhecê-los. Fiquei quieto até que não pude mais. Fui obrigado porque eu soube... Que estava... Gostando dele.

Os Laurent ficaram calados e boquiabertos. Gastei todo o meu arsenal de palavras e agora só resta saber o que eles teriam a dizer. Esperei pelo que se pareceu uma eternidade. 

- Acredito em você. - Andressa falou. Assenti, agradecido.

Diego e o pai pareceram ter uma conversa silenciosa com os olhos. No fim, apenas disseram que conversaríamos depois. Eu não poderia fugir daquilo. Estou cansado de fugir e das pessoas me mantendo longe; a partir de agora vou ficar por perto e vou ser exatamente aquilo que disse para Diego que eu seria. 

Corajoso.

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Vai sair o segundo capítulo de Nos Vemos à Meia-noite, vão lá! Obrigado pelo tanto de comentários que tenho recebido, isso é tão importante e me motiva de uma maneria absurda! Obrado mil vezes. 

Próximo capítulo terá uma surpresinha...


Minha Submissão | Série Irmãos Laurent-(Livro 4) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora