Capítulo 35

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Gideon

Bati na porta do quarto do meu "pai" e em menos de dois segundos ele abriu-a. Acho que ele estava esperando ao lado da porta, com a certeza de que eu viria aqui. Entrei no quarto e sem pedir peguei uma garrafa de champanhe do balde de gelo e sentei na cama. Meu corpo ainda está doendo pelo encontro com Rafael. Foi algo que nunca fizemos, mas que foi divertido testar. Hoje foi um dia de surpresas e por incrível que pareça, ainda são nove da noite. Passei a maior parte do tempo com Rafael, ignorei chamadas e mensagens, ele também fez o mesmo. Pena que eu sentia que ele estava desconfiado de alguma coisa e aposto que tem a ver com meu pai. Mas não posso chegar de repente e falar, Rafael, olha só, sabe aquele homem que você conheceu e que se diz ser meu pai? Então, é verdade, mas tem mais coisas por trás disso, como por exemplo, eu tenho dezena de irmãos. Literalmente, dezenas.

— Achei que não viria.

— E não vinha mesmo. Mas mudei de ideia. — Arranco a rolha da garrafa com os dedos e tomo um enorme gole.

— Você tem dezesseis anos.

— Não. Eu tenho vinte e três.

Ele parece surpreso ao saber disso. Não posso julgá-lo por estar surpreso, ele ficou desaparecido da minha vida por anos e só apareceu agora. Não sei se ele anda fazendo uma lista com os dizeres: QUAL FILHO DEVO VISITAR AGORA?

E eu fui o escolhido da vez. Infelizmente, claro.

— O que veio fazer aqui?

— Gideon... você mentiu para mim.

— Você também mentiu para mim, tipo, um milhão de vezes e eu nunca falei nada. Agora que eu faço uma coisinha ou outra você quer me dá sermão? Pelo amor.

Meu pai se aproximou da cama e não me afastei quando ele se sentou ao meu lado. Ficamos ombro a ombro e mesmo assim, eu sentia que não o conhecia assim tão bem. Mas me sinto bem ao saber que ele também não me conhece tanto assim, não sabe no que estou metido, não sabe tanto sobre as coisas que rodam na minha cabeça como costumava fazer. Ainda tenho lembranças frias sobre o tempo que passei debaixo das suas asas. Ele não pode me cobrar afeto quando eu quem não recebeu nenhum.

— Gideon você parece que não mudou nada.

— Você ficaria surpreso. Papai.

Feliciano dá uma risada debochada porque está segundo a onda. Bebo mais goles de champanhe sem pensar duas vezes. Se eu pensar duas vezes, vou pensar doze e logo depois vinte. Não quero que isso aconteça até minha corrente sanguínea se tornar champanhe.

A cada gole eu sentia o olhar dele em cima de mim. Me senti de novo com 11 anos, quando era obrigado a ficar no salão enquanto ele bebia e gritava com outras pessoas. A minha dezena de irmãos e eu temos traumas que não podemos listar, mas a maioria dele se resume num só homem.

— Amanhã podemos encontrar alguns dos seus irmãos.

— Não, obrigado. Quero ficar sozinho.

— Sozinho com Rafael Laurent?

Ao ouvir o nome dele tão alto eu apertei o gargalo da garrafa sem pensar e pude sentir o frio do vidro fazendo guerra com o calor da minha mão. O frio está ganhando, lógico. Mas meu corpo inteiro está superaquecido e não posso não ficar vermelho de raiva. Sorte a minha que não espumo.

— Não fale o nome dele.

— Porquê? Você gosta dele.

— Isso não é da sua conta.

— Claro que é. Você fez o que fez e ainda passou por cima... do que eu disse. Amor não leva a tantos lugares, ele tem prende, ele te faz ficar cego e depois acordar quando estiver caindo do precipício. Você sabe, acompanhou uma história de perto.

Estremeci.

Não vou entrar na discussão. Não vou. Mesmo que eu queria muito e esteja com a língua coçando para discutir.

— Pai — digo, sorrindo forçado e tentando não quebrar a garrafa — Não posso pedir para ir assim, me desculpe, mas estou tentando organizar a minha vida e seria um enorme favor se o senhor não a atrapalhasse agora. Por favor. Sério. Já disse que eu estou seguindo meu próprio caminho e se meu amor não for correspondido, se eu cair do precipício, vou até você pessoalmente e dizer estar certo. Mas por agora, não.

Ele parece pensar. Seus olhos azuis estão nublados de prazer, um prazer que se dá só dele pensar em mim, chorando e dizendo o quanto estava certo. Não nasci ontem, não sou tão ingênuo, sei que ele quer que isso realmente aconteça.

— Certo e você quer que eu vá embora.

— Isso.

— Da cidade ou da sua vida?

Mordi o lábio com força o suficiente para doer. Larguei a garrafa no chão com cuidado e encarei seus olhos azuis desafiadores.

— Ambas. — Digo e vou em direção à porta que entrei.

Saio do quarto com o coração apertado demais para falar alguma coisa, ou pensar coerentemente. Se eu o tivesse aqui as coisas seriam mais complicadas do que já são, talvez alguma coisa de ruim acontecesse a ele, ou a Rafael, ou a mim. A todos nós.

É então que percebo que não quero voltar para o meu quarto no Gin's. É um quarto apertado, claustrofóbico. Vou em direção a casa de Rafael e tento ligar para ele. Quando deixei sua casa eu tinha contado que ia ver meu pai, então não é possível que ele não saiba onde estou. Só quero que saiba que estou indo na direção da sua casa.

— Alô?

— Rafael? Posso ir aí?

— Não sei se é uma boa ideia. Agora.

— Porque? — Tento parecer desinteressado, mas cravei minhas unhas na palma da mão livre.

— Gideon, eu estou ocupado de verdade agora. Coisa da empresa, você aqui não é uma boa ideia, vai me distrair quando preciso ficar focado.

— Ah. Desculpe então. Tchau. — Desligo o celular e o guardo no bolso.

Como não tenho escolha vou em direção ao Gin's para aquele quartinho minúsculo.

Quando fecho a porta e me deito, desejo sair.

Mas não saio, fico trancado assim como trato de trancar meus sentimentos por Rafael por agora. Quer dizer, transamos como loucos a tarde inteira, mas isso não quer dizer que temos um relacionamento propriamente dito. Está mais para algo causal.

Antes que eu adormecesse recebi duas mensagens. A primeira foi de Rafael, que dizia:

AMANHÃ VAMOS FAZER ALGO, SIM?

Foi um pedido e não uma ordem. Algo dentro de mim borbulhou de felicidade. É a prova de que por mais que eu esconda, sempre vai ficar uma ponta solta que leva direto a tudo.

A segunda mensagem é de um número desconhecido e diz:

SE CUIDE E ADEUS.

Minha Submissão | Série Irmãos Laurent-(Livro 4) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora