Capítulo 1

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A voz pareceu ecoar. Mas não de um modo bom. Pareceu ecoar e arranhar o meu cérebro, foi como uma faca abrindo meu peito para que, com a mesma ponta afiada e sangrenta, partisse meu coração.
Quando Davi falou aquilo eu simplesmente engasguei. Literalmente.

Levantei-me.
Minha cadeira caiu para o lado e o barulho assustou os pequenos monstrinhos que são meus sobrinhos. Senti meu estômago embrulhar, como se eu quisesse vomitar o que comi, mas não havia como, eu estava sufocando. Saí da mesa e fui para o corredor.

Ao perceber que me sinto infeliz com a felicidade do meu irmão, me sinto desprezível. Me acalmo até que Davi aparece ao meu lado com sua incrível habilidade de aparecer sem ser notado.

- Você me odeia tanto assim?

Decidi levar a pergunta como retórica.

- Quer me contar?

A empatia dele me dá inveja. Acabo sorrindo para as paredes, ergo minhas costas e sinto como se tivesse chorado apesar de não ter acontecido. Molho os lábios com a língua e falo:

- Espero que a primeira coisa que veja seja interessante.

- Sugestões? - Ele entrou na onda.

- Sempre me perguntei se seu namorado era dotado. Ele é bonito, isso é certo.

Orelhas e bochechas corando.
Sorriso afetuoso apesar de envergonhado. Ele não vai mudar, digo a mim, mas vai enxergar e aí...
Não vai ser mais só nós. Vai ser ele e eu, enxergando um ao outro, será que momentos como esse sumirão?

- Vai voltar para a mesa?

- Acho que a cadeira vai ganhar vida e rejeitar meu traseiro. Não. Vou ir para casa, ainda tenho que desempacotar muitas coisas e, sem falar, agora tenho mais do que minha empresa para cuidar.

Davi não respondeu.
Avancei pelo corredor em direção à saída. Davi esticou o braço e assim conseguiu segurar meu cotovelo. Olho para nossas peles se tocando, a dele levemente mais pálida e a minha,  mais bronzeada. Sou puxado para um abraço singelo que levou tempo até que realmente nos tomássemos.

- Você é meu irmãozinho - Ele sussurra - Não esqueça que eu...

- Não diga que me ama. - Bufo.

- Eu... Vou ficar revoltado se você não aparecer caso... A cirurgia dê certo. Era isso que eu iria dizer.

Me afasto dele.
Murmuro uma despedida simples e me retiro, sei que não vão se incomodar se eu me despedir ou não. Pego meu telefone.

- Vou precisar do carro. - Digo à pessoa do outro lado.

- Cinco minutos, senhor.

Em cinco minutos exatos sou presenteado com meu carro parando a minha frete. Observo Charlie sair do banco do motorista e vim na minha direção.

- Quer que eu dirija?

- Não. Chame um táxi, pois eu passarei a tarde fora.

- Sim. Tome cuidado.

Assinto.
Entro no carro e dou partida. Ligo o rádio, mas simplesmente não presto atenção a música ou as notícias, presto atenção aos meus pensamentos e a rua. Meus pensamentos seguem em linha reta enquanto a rua se alterna em várias ruas e becos, meus pensamentos só se passam em um nome e a estrada tem nomes de várias ruas.
Não consigo me desligar.
Dirijo mais rápido. Depois mais devagar. Depois mais rápido até finalmente parar em um meio fio.
Recebo uma mensagem da minha mãe. Não vou responder agora, talvez não hoje. Dirijo para casa e cancelo meus planos de ir ao Hot por agora, seria estressante ter que lidar com vários homens gostosos e não ter nenhuma disposição para transar.

A casa nova é menor que a antiga.
Quatro quartos, uma cozinha, sala e dois banheiros. Há uma piscina que me despertou fetiches no momento que a vi. Agora passo pela piscina sem nem mesmo parar para olhá-la. Vou em direção ao meu quarto.
Menti para Davi. Não ia desempacotar nada, a casa já está mobilada há uma semana.

Sento na minha cama com um copo de vidro que contém gim. Não quero ficar bêbado, bebo apenas dois copos e depois decido apenas deitar.
Desde a infância eu sabia que era diferente, não só dos meus irmãos, mas da grande parte dos garotos. Eu sentia algo toda vez que via... sexo. Depois isso evoluiu. Algo mais sutil. O sexo começou a me chamar para uma parte mais nebuloso, envolvia cordas, ação e reação maiores, força. Muito mais força. Eu me sentia anestesiado, me sentia ótimo e completamente desarmado com aquele tipo de sexo e foi então que decidi apenas fazer o que gostava e isso se manteve em segredo por muito, muito tempo. Até o dia que eu contei para meus pais. Simples assim. Foi algo natural.

Mas fui obrigado a comparecer à psicóloga. Fugi de casa dois dias depois da decisão, voltei apenas quando soube que não teria mais que comparecer. Foi uma decisão mesquinha, passei anos sendo mesquinho. As pessoas dizem que o filho mais novo é o mais importante, mimado. As pessoas não fazem ideia do que falam. Mas é melhor você por um sorriso no rosto e deixar que pensem o que quiserem, assim é mais fácil.

Acabo adormecendo.
Acordo às 18:24.
Respondo às dezenas de mensagens da minha mãe e depois tomo um longo banho quente. Vou à cozinha e preparo algo simples e rápido, mas cozinhar não abafa meus pensamentos persistentes, inoportunos.
Ligo a TV.
Havia algo me incomodando. Larguei a comida e desliguei a televisão, peguei as chaves do carro e dirigi sem rumo por toda a cidade parando apenas para abastecer, depois rodava e fiz isso até quase as quatro da manhã, o sol ainda não nascia, nem mesmo esquentou o ar, mas meu corpo estava em chamas, quando cheguei em casa tive que tomar outro banho e dessa vez, gelado.
Deitei.
Meu corpo teve dificuldade em relaxar, me obriguei a tomar alguns comprimidos para dormir.
Meus olhos pesaram com um tempo.
Adormeci ainda pensando em meu irmão, a minha estrada de via única.

Minha Submissão | Série Irmãos Laurent-(Livro 4) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora