Principado de Banu Qasi — Outono, Setembro de 836 d.C.
Jamila foi recebida com alegria por Yusuf e Brunilde após uma viagem de vários dias, sempre se mantendo em estradas pouco movimentadas, preferindo cavalgar durante as madrugas e parte da noite, como uma forma de evitar problemas, afinal ela era uma muçulmana em pleno território cristão, até que chegou ao rio Ebro, onde conseguiu uma embarcação que a levaria até a cidade de Sarakusta53, no principado de Banu Qasi
Respirou aliviada quando chegou à cidade e desembarcou no porto. Aquele local era o ponto de encontro que combinara com Yusuf e Brunilde. Não foi difícil localizá-los, todos na cidade conheciam-nos uma vez que eles haviam chegado conduzindo um grupo de guerreiros vindos da região da Mérida e a escudeira chamava atenção por onde passava.
Ao entrar no pequeno palácio que o muladi Musa ibn Musa al-Qasawi havia cedido, foi recebida com festa por algumas servas que a conheciam e que tinham acompanhado Yusuf.
Não demorou para seu mentor aparecer, juntamente com Brunilde. O reencontro foi emocionante com os três se abraçando, quase esmagando os gêmeos que estavam no colo da mãe.
— Por Alá! – cumprimentou-a Yusuf — Como rezei para revê-la.
— Meu pai sempre acreditou que você viria – disse Brunilde com um largo sorriso — Eu já não tinha tanta certeza e estava preparando um grupo para resgatá-la.
— O que aconteceu? Como conseguiu trazer os gêmeos? – perguntou Yusuf, pois quando ganhara a liberdade Jamila explicara o motivo de ter aceitado se casar com Dom Iglesias.
— Muita coisa aconteceu – murmurou cansada, deixando que Yusuf pegasse no colo o menino e Brunilde a menina.
— Venha, vamos entrar – sugeriu Yusuf em seguida gritou ordens para que a aia que acompanhava Jamila fosse alojada.
Entraram em um pequeno salão com várias almofadas dispostas no chão, uma das paredes laterais dava acesso a um pequeno jardim. Servas entraram com jarras de chá de hortelã e água, além de um prato com grão de bico e verduras, que as crianças começaram a comer com apetite usando as mãozinhas.
— Juan está vivo – disse Jamila para surpresa de Brunilde e Yusuf.
— Por Odin! – exclamou a nórdica — Pelo que você me contou ele deveria estar morto, ferido por flechas e por uma lâmina na barriga e ainda caiu na correnteza de um rio, ou ele é amado pelos deuses ou é odiado por Hela, já que nem a morte o quis.
— Brunilde! – ralhou Yusuf.
— É um milagre, Alá o poupou – disse Jamila — Um dia ele chegou a Luco de Ástures me procurando.
— E o pai dele? – perguntou Yusuf que conhecia a relação tensa entre pai e filho.
— Havia partido dias antes, houve um ataque viking contra uma cidade vassala dele – explicou encarando Brunilde.
— Sabe quem era o líder? – perguntou a nórdica contraindo o maxilar.
— Não, mas os mensageiros disseram que era uma esquadra com quase cem navios e milhares de guerreiros – afirmou tomando um grande gole de chá do copo que lhe fora servido.
— Deve ser Haestin e Bjorn, não duvidaria se Ragnar estiver junto, quando pilhamos a Frísia eles já planejavam uma excursão de saque em toda Hispânia – afirmou sentindo a velha raiva pela morte de Ibrahim.
— Por que não ficou com Juan? – perguntou intrigado Yusuf.
— Era tudo que eu desejava, mas assim como eu me mantive fiel ao juramento feito perante Alá de fidelidade para meu esposo Suleymán, ele também se manteve fiel à suas crenças cristãs – explicou tentando controlar as lágrimas que teimavam em aflorar em seus olhos — Não consegui expô-lo à tentação de praticar adultério com a esposa do próprio pai, mesmo eu explicando que o casamento não se consumara e eu não me sentia obrigada pelos votos cristãos à que fui forçada para rever meus filhos.
— Sinto muito, minha menina – consolou-a Yusuf segurando sua mão entre as dele.
— Maktub, estava escrito, por isso parti antes do alvorecer do dia seguinte, somente eu as crianças e a aia, viajei o mais rapidamente possível e agora aqui estou – concluiu — Quantos de nossos guerreiros os acompanharam? – perguntou mudando de assunto.
— Cerca de oitenta, alguns com famílias e servos – disse Yusuf — Muitos eu não encontrei, eles se espalharam, pois Jamal, apesar do perdão que o Emir deu a todos, continuou perseguindo nossos capitães e oficiais.
— Agora que estamos juntos podemos planejar nossa volta – disse com um sorriso Brunilde — Ainda quero encontrar Jamal em batalha.
— Estou tão cansada de tudo – murmurou Jamila para si mesma.
Durante a viagem pensara muito, estava cansada de guerrear, cansada de ser uma mulher forte, queria paz para criar seus filhos, de preferência com Juan. Mas antes, ela tinha uma missão a cumprir, devia encontrar e matar Jamal, somente assim ela poderia encontrar a paz que tanto ansiava.
E a oportunidade se apresentou dias depois, quando receberam a visita do próprio Musa ibn Musa al-Qasawi.
O muladi viera para informá-los que comandaria suas tropas para combater a invasão viking que vinha assolando o litoral de Al-Andalus e desejava que Jamila e seus guerreiros se juntassem a ele.
— Devemos nos unir contra um inimigo comum – explicara o muladi — O Emir pediu apoio para combater os bárbaros, eles foram avistados subindo o rio Guadalquivir em direção à Išbīliya, se conseguirem tomar essa cidade encontrarão o caminho livre para chegar a Córdova e quem sabe onde mais eles atacarão?
A aliança provisória era a chance de encontrar Jamal, que provavelmente comandaria parte das tropas do Emir, por isso Jamila aceitou o pedido do muladi para se juntar a ele.
Partiria mais uma vez para a guerra, deixando seus filhos sob os cuidados da esposa de Musa ibn Musa al-Qasawi, que jurara por Alá que os manteria em segurança até sua volta, ou caso ela morresse em combate, os criaria como se seus filhos fossem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A GUERREIRA INDOMÁVEL
Romance"O que acontece quando uma jovem guerreira se vê entre o amor e sua convicção?" Século IX d.C., a península ibérica dominada pelos árabes se vê envolta em fortes tensões sociais. Uma embaixada enviada pelo último rei cristão à Mérida tem o objetivo...