Pov Narradora
Dois meses depois
Desencontros acontecem, muito mais do que podemos imaginar. Às vezes simplesmente esquecemos de fazer uma ligação, enviar uma mensagem... ou trocamos de número, de celular. Não importa quantas razões eu coloque aqui, na maioria dos casos os desencontros são apenas escolhas, escolhas covardes. Autossabotagem do subconsciente. Nunca é tarde para fazer aquela ligação ou mandar aquela mensagem, mas pensamos que sim.
Aquele mês de outubro contava com outro acontecimento além da primavera, o aniversário de Nicholas. Rafaella caiu novamente no círculo vicioso de sua vida: o trabalho. E com isso ela voltou a se tornar ausente, mas agora Daniel também estava ausente e de repente tudo mudou para Nicholas sem que os dois percebessem. Ele passava mais tempo na escola e quando o horário de saída batia, nem sempre era Rafaella ou Daniel ali. Muitas e muitas vezes Manoela cumpria com esse dever, ou Genilda e até mesmo Giovanna. E cair de volta na rotina não deixou Rafaella totalmente a par de que para o filho a rotina havia mudado drasticamente. Os momentos que Nicholas tinha os pais em casa eram poucos, mas não curtos. Porém sempre alguém ligava.
Então aos poucos o pequeno foi se tornando quieto, frustrado e com uma pontinha de revolta por não entender o que diabos estava acontecendo ali. E o pior, ele sequer tinha noção de como explicar o que estava sentindo.
Aquela tarde em especial, cansado de ficar sob os cuidados dos avós, Nicholas resolveu mentir ao dizer que queria falar com Rafaella. Não que fosse ruim ficar com os avós, ele adorava, mas não queria.
— Salut?
Pov Bianca
— Bi?— minha mente fez um pequeno esforço, quase imediato, para associar aquela voz à pessoa. E quando liguei os pontos...
— Nicholas?— a pergunta retórica foi inevitável, mas era Nicholas, então...
— É o meu nome!— tenho certeza que ele estava sorrindo, mas não do mesmo jeito que eu estou agora.— Desculpa não ter ligado mais, eu esqueci.— ele lamentou como se ele tivesse alguma culpa.
— Eu digo o mesmo... mas não esqueci, só... vida de adulto é chata demais.— e põe chata nisso.— Você está bem? E seu braço, melhorou?— foram dois meses, claro que melhorou.
— Melhorou, mas não é só vida de adulto que é chata, a de criança também.— Nicholas reclamando?
— Oh... sério? Por quê?— decidi sair de frente do computador antes que fizesse coisa errada por estar com a atenção toda na conversa.
Então ele começou a falar em torno de vinte palavras a cada segundo explicando como, para ele, seu mundo estava desabando. Pelo que entendi Rafaella e Daniel são uma espécie de workaholic, Nicholas não está gostando da escola e o tempo com os avós aumentou drasticamente.
—...eu queria voltar aí, é muito mais legal.
— Aqui não está muito legal, Nick. Quase tudo está em reforma... nada de tão legal assim. — Paris sequer parece Paris e isso me deixa um tanto brava.
A conversa continuou até o ponto onde ele avisou que teria que desligar porque já estava na hora de ir para casa.
— Faz assim, chame a sua mãe e fale tudo isso que você me falou agora. Tudo bem? Acho que pode ajudar.— pedi antes de ele desligar.— Mas lembre-se, Nick, as coisas mudam e às vezes precisamos nos adaptar, certo? Nada é tão ruim quanto pode parecer.
— Tá... tchau, Bi.
— Até mais, Nico.
Pov Rafaella
—...e que agora só precisamos de um tradutor e pronto! Negócio fechado e a expansão garantida! Tem noção de como isso vai ser bom para a gente?— eu estava sentada encarando Manoela e sua super animação. Eu deveria estar de pé quase pulando com ela, suponho.— Há dois meses atrás isso parecia inviável, não acredito que deu certo...— ela me olhou um pouco ofegante e sentou.— O que foi? Não está feliz?
— Com a expansão? Estou... de verdade! Não é fácil competir com outras empresas, ainda mais reconhecendo que são melho—
— Podem ser melhores, mas a nossa foi a escolhida.— ela levantou de repente.— Levante a bunda da cadeira e vamos atrás de um tradutor antes que eu jogue esse contrato todo no google translator. Você é a minha chefe mas meu tom de voz é totalmente coerente com o momento. Vamos!— ela deixou a sala e eu acabei sorrindo com tamanha animação.
Suspirei por alguns segundos antes de olhar para o canto da tela do computador e notar o horário, eu deveria ir embora... na verdade farei isso agora mesmo!
E sem explicar o que acontecia, saí varada da sala.
— Arrume dois tradutores para garantir!— Manu me olhou confusa e essa foi a última coisa que vi antes da porta do elevador se fechar.
O motivo de eu sair correndo assim? A data! Notei que o aniversário do Nicholas se aproximava, é hora de ver o que ele quer fazer nesse dia. Saí com o carro e acelerei, mas durante o caminho fiz duas coisas: parei em algum fast-food e peguei o que ele mais gosta de comer, e ali mesmo consegui um dinossaurinho muito fofo de pelúcia. O que? Eu sou a rainha dessas máquinas de brinde!
Segui caminho e quando me aproximei da rua de casa lembrei que ele estava com os meus pais, isso me fez contornar a rotatória tão rápido que podia facilmente ter levado uma multa.
(...)
— Chegou cedo hoje!— mamãe abriu a porta e sequer um "oi"... tudo bem.
— Eu sei quando parar.— menti, sorri e entrei.
Genilda me informou que Nicholas estava com meu pai no jardim da parte de trás, então fui para lá. Quando ele me viu, correu tão rápido que quase tropeçou.
— Cuidado! Não quer se machucar de novo, né?— falei sorrindo e agora ele estava pendurado em mim, coisa que eu amo.— Não vai falar tchau para o vovô?— perguntei o olhando.
Eu sei como é irritante quando as nossas mães pedem para darmos tchau para absolutamente todas as pessoas presentes, mas ainda é educação. E bom... ele saiu caçando pessoas para se despedir.
— Está tudo bem com vocês?— meu pai perguntou e eu apenas assenti.— Ele parece para baixo.
— Notei isso também, mas se eu pergunto alguma coisa ele desvia. Até uma criança de seis anos consegue escapar de conversar comigo... triste, mas verídico.
— É por isso que você vai atrás da conversa.
(...)
Nicholas ficou distraído como o lanche e o dinossauro que se chama, por algum motivo, Psiquê.
— Psiquê?— perguntei enquanto estacionava o carro.
— É, mamãe, que nem a Bi contou aquela vez.— ele disse sorrindo.
Psiquê e Eros... a história que ela contou sobre como o amor deles foi retratado através da estátua presente no Louvre, onde Psiquê é ressuscitada por Eros através de um beijo.
Não respondi, desci do carro e abri a porta traseira para tirá-lo da cadeirinha.
— Conta a história de novo?— ele pediu com os olhos brilhando como se aquela simples mitologia fosse salvar sua noite.
— Depois do banho? Conto o que você quiser.— sorri e baguncei o cabelo dele.
Nicholas deixou Psiquê em alguma parte da sala e saiu correndo para o banheiro e eu aproveitei para fazer o mesmo.
(...)
Confesso que tive que pesquisar sobre a tal mitologia novamente já que as palavras de Bianca não pareciam ser o suficiente para deixar a história emocionante para ele, e deu certo! Mas antes de cair no sono ele me olhou.
— Eu não gosto de ficar com o vovô, não gosto de ficar na escola... por que as coisas mudaram?
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My Interpreter (Rabia Version)
FanfictionCansada da rotina corriqueira que vive, Rafaella Kalimann decide tirar um tempo para si. Sem estresse, sem trabalho. Apenas ela e sua família. Casada com Daniel Caon há dez anos, o casal possui um filho, Nicholas, de seis anos. O destino? França. Ma...