Quando eu comecei a lavar louça sozinha, devia ter uns 11 anos, eu me lembro de quão chata da eu ficava com você porque não me agradecia, jurava que não faria de novo, que não te ajudaria, e muitas vezes, chorei por causa disso. Quando te confrontava sobre porque não me agradecia, você dívida que era minha obrigação ajudar na casa, que eu devia perceber o que estava errado na casa e arrumar, limpar, organizar, que você não queria precisar ter que me mandar fazer as coisas de casa, e diversas foram as nossas discussões sobre isso, mas parece que nada mudava.
O tempo passou, e a criança virou adolescente, ela aprendeu que o mundo, nem mesmo sua mãe, lhe agradeceria pelas coisas boas que faria, você tinha que fazer e ponto, era sua obrigação, sempre a louça do almoço, arrumar seu quarto, mais tarde passar a roupa toda. Sempre, sempre, questionei isso, sempre argumentei que uma vida procurando os defeitos e afazeres não é vida, e não mudo de opinião. Também sempre questionei o porquê de meu irmão nunca, nunca, nunca, ajudar nas tarefas de casa, então a Internet e a informação de disseram por quê. Você, mãe, é machista, foi criada assim, talvez pela cultura, talvez pela falta de informação, talvez pela cegueira acarretada da maternidade de um homem, com falo.
Algum muito comum na nossa família, ela pede para eu pôr a mesa, eu falo que estou ocupada, ela me obriga a ir na hora e reclama durante minutos que eu não ajudo em nada. Situação dois: por algum milagre, ou porque ela acha que eu não cheguei em casa, ela manda ele pôr a mesa, ele diz que está cansado e fala para eu colocar a mesa, ela obedece a ele e me chama. Ah, você sabia que ontem, com 13 anos, foi a primeira vez que ele lavou um banheiro?! Sabia que hoje ele jogou na minha cara que nunca lavou uma louça sozinho e nem vai lavar?! E sabia que esse mês foi o primeiro em que ele varreu o quarto dele, mesmo dividindo o outro quarto comigo por 13 anos?! Sabia que quando é dia dele recolher a sujeira do cachorro, quando ele não mente ou enrola, ele deixa a sujeira na pá para eu coloque no lixo quando for minha vez?! E você acha que tudo isso é normal?!
Acabamos de mudar de casa, finalmente eu tenho um quarto só pra mim, com 19 anos e querendo desesperadamente sair dessa casa. Desde sempre eu insisto na ideia de construir essa casa, mas eu sei que o ponta pé inicial foi que ele está estando na puberdade e precisa de um lugar só dele, bem, ninguém se preocupou com a minha puberdade quando eu dividia o quarto com um guri de 6 anos, mas ok. Achei que as coisas melhorariam, bem, agora não tenho que limpar o quarto dele, na verdade, faço questão de nem entra lá, mas agora o banheiro que ele também suja, com certeza será minha obrigação, assim como sempre, é assim que a machista decide as coisas.
Então, decido que não quero ter filhos, e a razão é de que não gosto de homens, não de maneira sexual ou romântico, sou sim hétero, mas de pensar que o homem que eu venha a ter ao meu lado pense assim como minha mãe acaba comigo, saber que eu possa ter filhos que se comportem como meu irmão acaba comigo, e também saber que nenhum homem se apaixona de verdade, acaba comigo. Por isso deixo isso para lá, vou vivendo minha cultura do estupro dentro de casa, continuando com os ideais firmes, apesar de que seria tão mais fácil e menos sofrido para mim apenas aceitar essa cultura, essa exploração enraizada no meu próprio lar. Seguimos em frente, mas nem que seja apenas por esses textos e por discussões sem fim, eu não me calo.
03/07/2016
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Para não sufocar
Non-FictionHistórias do meu cotidiano, desabafos, coisas que sinto e que preciso por em palavras para não sufocar, escritas ao longo de 9 anos e contando.