Entre afazeres domésticos e idas a cartórios, paro um tempinho para escrever e chorar, acho muito que estou precisando. Hoje eu estou bem mal, pensamentos ruins, tristeza, impotência, raiva, estou brava comigo mesmo, irritada com tudo e pensando em acabar com tudo. Eu perdi um documento importante e não tem muito o que eu possa fazer para recuperar, essa raiva de mim mesmo está me devorando como uma sombra preta e tensa dentro de mim.
Estou com vontade de desistir, de voltar para os dias de aulas, nos quais eu era passiva a quase tudo que acontecia, e meus dias eram repletos de qualquer coisa. Uma música diz que é melhor sentir dor do que nada, e eu agora duvido disso, é melhor sentir nada, nem que esse nada venha com um preço. Nada, o absoluto nada de não existir mais, de não ter que lidar com problemas, ou relacionamentos, ou expectativas e pressões.
Se tudo isso fosse uma escolha, se a possibilidade de não sentir nada existisse, acho que, hoje, eu pagaria para ter ela, para ser só mais uma peça num mecanismo, só repetindo e repetindo uma mesma rotina todo dia, vivendo por viver, numa completa sensação de nada. Não temos proposito nessa vida mesmo, só estamos mais cientes disso, um dia você se alegra, em muitos você sofre, depois fica velho, incapaz, impotente, um fardo, depois você perde a memória, deixa de ser si mesmo, causa dor e sofrimento para aqueles que um dia amou e morre.
A morte é a misericórdia, é o único e final presente que se ganha depois dessa vida, um descanso, um alívio, um finalmente. Queria esse descanso. Não queria me sentir feliz agora, me parece tampar o sol com a peneira, como tomar um remédio para sua doença terminal, apenas adia o fim, não torna os dias que você ainda tem menos dolorosos, a droga apenas cobre o problema, te deixa anestesiado para realidade.
Eu vivo agora pelos outros, hoje é pelo meu avô, não quero que ele saiba que não queria mais viver. Não sei quem vai ser o meu motivo depois que ele se for, agora não consigo pensar em ninguém... Hoje o dia está péssimo, não acho que amanhã vai melhorar, não sei que dia vai melhorar, fico esperando, tomara que isso passe.
Eu procurei durante muito tempo alternativas, soluções para o problema do sucesso financeiro, só ter uma casa e me sustentar, mas não tenho uma solução possível nos próximos anos, não tem uma luz chamada "um lugar só seu" no fim desse longo túnel da minha vida. É essa falta de esperança que mata, não conseguir ver dias melhores a frente, como foi sempre ensinado a nós, que desde que você fizesse tudo direitinho, tudo daria certo. Até as opções não complexas como sair do país eu já cogitei e não deu certo, cada possibilidade que se fecha piora minha situação.
Eu não tenho expectativa de me especializar mais na minha profissão, na verdade nem sei se gosto mais dela, nem expectativa de conseguir ganhar um salário melhor no meu emprego, nem conseguir um casa, ou qualquer outra opção que a cartinha da sociedade diz que é um passo à frente. Então fico no mesmo lugar, nesse quarto, mais velha do que eu gostaria, e envelhecendo cada vez mais, esperando o dólar baixar, esperando a economia melhorar, esperando oportunidades de emprego, esperando uma vacina, esperando o fim da estupidez humana. As pessoas que não têm que viver com isso não fazer ideia do privilégio que têm, eu só queria ser uma delas também.
A depressão pode ser um problema individual, mas é muito mais um problema social. Quando é a falta de oportunidade que causa angústia e desespero, não existe remédio ou terapia que ajude, e olha que eu estou lá em cima na escada dos privilegiados. Eu sei que tenho tudo, sei que tudo isso parece problema de garota branca, e pode até ser, mas é isso, hoje, que faz meu dia não estar nada bom.
22/10/2020
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Para não sufocar
No FicciónHistórias do meu cotidiano, desabafos, coisas que sinto e que preciso por em palavras para não sufocar, escritas ao longo de 9 anos e contando.