Lembra porque me colocou na escola com 2 anos?! Lembra o que me responde quando eu pergunto?! Porque eu era egoísta, porque eu não dividia brinquedo e não gostava de brincar com outras crianças, e você queria consertar isso em mim, para eu viver melhor em sociedade. E lembra quando a madrinha ou outro parente chegava em casa e eu me escondia no quarto para não falar com ninguém?! Lembra o que respondem quando pergunto como eu era quando criança?! Que eu era chata, que eu só chorava e miava. Lembra o que você fala quando pergunto por que meu cabelo sempre foi curto quando era pequena?! Que eu não deixava ninguém arrumar, não gostava que mexessem. Lembra-se do que você me chama toda vez que eu faço alguma coisa para o Luís Henrique que você não gosta?! De chata, de ruim. "Nossa Laura, como você consegue ser tão chata, tão ruim?!"
Acredite mãe, eu não sei, mas sei (e você também sabe) que desde o compor mais recente que me contam, desde a bebê chorona, da criança de dois anos egoísta, eu sempre fui chata. Apesar de você achar que faço isso de propósito, eu não sei ser de outro jeito, porque eu nunca tive outro jeito, e com o pássaro dos anos eu entendi o porquê eu ainda sou assim, porque foi assim que eu consegui sobreviver, ser egoísta foi a melhor maneira que eu consegui de continuar...
E eu sinceramente acredito que eu possa e deva ser autossuficiente, de ser capaz de viver sozinha, de ter minha casa só minha para cozinhar só para mim, para lavar só a minha louça e limpar o chão que só eu sujei. Porque na minha vida mãe, se eu não fizesse as coisas por mim mesmo, eu não ia conseguir, se eu não estudasse sozinha e dessa conta de todas as tarefas, desde sei lá quantos anos (sinceramente não me lembro de uma única vez que precisei de ajuda com a tarefa), não tinha jeito. E eu, menina, aprendi que eu tinha que me bastar. Tinha de fazer as coisas para o meu bem, não para agradar ninguém, porque eu sentia que você s estavam muito ocupados com o Luís Henrique.
Porque ele é o oposto de mim, exatamente porque eu não queria ser como ele e talvez ele também não quisesse ser como eu. Porque eu aprendi a me bastar, a ser o que me importa, enquanto ele precisa de atenção e aprovação do outro, enquanto eu penso três, quatro vezes antes de te contar algo que me deixa feliz, ele precisa contar e precisa que as pessoas sintam o mesmo entusiasmo que ele. Porque, mãe, desde dois anos, na vida eu aprendi, não sei como antes, e depois com a presença do Luís Henrique, que eu precisava ser individualista, que eu precisava ser autossuficiente para existir.
Mãe, eu estou com 20 anos, eu já sou só eu, não mais aquela menina que você educa, e faz parte, mais cedo ou mais tarde, o filho querer se diferenciar dos pais, e eu queria, eu queria viver numa casa em que cada um lave o prato que comeu, que as tarefas sejam divididas, e também que ninguém limpe quando não sentir vontade de limpar. E não adianta mais você querer brigar ou me punir por eu ter meus pensamentos e ideologias, eu não sou mais criança, desculpa por não ter aprendido tanta coisa de você, mas eu fiz o meu melhor.
Quando você reclama que eu tenho que morar sozinha então, que não posso usar seu carro, não posso comer sua comida, e essas coisas, não sei se seu objetivo é mudar meu jeito de pensar, mas não é assim que eu sinto. O que eu sinto é vontade de ir embora, de ter minha própria casa, eu sofro por não poder fazer isso, porque é essa minha vontade. Eu queria sim fazer as coisas que você fala, de não depender de ninguém, ser independente, mas eu não posso no momento e isso me faz sofrer. Porque eu sinto que estou te atrapalhando com meus pensamentos diferentes na sua casa, e sei que não tem como mudar o funcionamento dessa casa, mas eu não posso, não posso só sair de casa e depender de outra pessoa.
Mas mãe, não me peça para pensar diferente, são 20 anos de individualidade que não mudam mais, e são esses objetivos, por mais egoístas que sejam que me movem, é por isso que eu estudo (porque você já falou na minha cara que não quer nem saber dos meus estudos), por isso que eu escuto calada seus sermões de não ajudar na casa enquanto eu tenho um puta trabalho da faculdade pra fazer. Você não faz a mínima ideia do que é fazer esses trabalhos, estudar para as provas, parece que é fácil porque eu aparentemente sempre fui bem, mas na faculdade, é preciso muito mais esforço para ir razoável.
Não quero dar desculpas, faz um tempo que prefiro engolir calada suas críticas de que confrontar, porque eu sei que não importa meu argumento, na hora da briga, você só vai arrumar mais argumentos. E também sei que quando exponho minha opinião, também saio na pior, porque as coisas não são mais um diálogo, só um monólogo de cada um defendendo seu lado. Como quando você viajou e a casa ficou "inabitável". Eu tentei meu melhor pra poder fazer tudo àquilo que eu tinha que fazer e arrumar a casa, mas você não perguntou para mim como foi esses quatro dias, não sabe o que aconteceu aqui, e mesmo que eu falasse, você parece que não se importa se a casa não estar arrumada e a louça lavada.
Eu tenho outras prioridades e faz alguns anos que te agradar saiu dessas prioridades, porque não tem retorno, e eu entendo porque, eu ainda moto nessa casa e tenho que ajudar, mas minha prioridade ainda é a faculdade, porque eu prefiro ouvir você reclamando pra conquistar minha independente financeira mais rápido do que deixar a faculdade em segundo plano e cuidar da casa pra ela ficar como você quer.
É que temos jeitos diferentes de ver o mundo e tem coisas que você faz que eu não entendo, por mais que eu tente, por exemplo, porque que a louça tem que ser lavada naquele minuto se não mudar nada se ela for lavada dez minutos depois. Ela não vai sair do lugar, ninguém vai vir julgar se você é uma boa forma de casa, então, por que tem que ser "agora"?! Isso não entra na minha cabeça. Mas fica aberta a discussão, se tiver coisas que não entende em mim pode perguntar desde que esteja disposta a aceitar a resposta e não tentar mudar meu comportamento.
Mãe, acredite, eu posso não reconhecer verbalmente, posso não agradecer por tudo, mas acredite, eu sei tudo que você batalha por essa família, sei que você trabalha muito mesmo e parece que ninguém entende seu trabalho, eu entendo, e entendo também como é ser mulher, e obrigações implícita, e humores variáveis, e dias que você não quer ninguém ou não quer sair da cama, e ainda assim ter que cozinhar, que lavar roupa e limpar a casa para que todos fiquem felizes. Também sei que deve ser um porre ser mãe de adolescentes ingratos (acredite, eu não me aguentaria), e ainda assim tentar dar atenção e ter um relacionamento saudável com eles. Não ache que eu não sei pelo que você passa, posso não sentir o que sente, mas entendo o que passa, e por isso sou muito grata. É você que mantém essa família unida, que obriga todo mundo almoçar junto para que a gente não perca esse momento sagrado de ser família.
Enfim, só achei de deveria saber como eu me sinto....
19/09/17
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Para não sufocar
NonfiksiHistórias do meu cotidiano, desabafos, coisas que sinto e que preciso por em palavras para não sufocar, escritas ao longo de 9 anos e contando.