Eu queria que minha vida fosse um filme, em que as coisas que eu falasse realmente importasse para a história, que meus pensamentos românticos tivessem espaço no cotidiano, que as conversas com os pais realmente tivessem sentido profundo e que as pessoas realmente falassem aquilo que mostra como elas são, como na construção de personagem. Boba eu, achando que existe uma única história que guia os personagens da vida e que os pensamentos que temos tem importância no desenvolvimento da trama. Na verdade, ninguém se importa realmente com o outro, até eu agora, tentando aplicar minha concepção de mundo ao mundo estou sendo egoísta.
Os filmes são tão supervalorizados porque neles se diz e faz aquilo que se queria fazer na vida real. Nos filmes, a história se desenvolve e só o que é importante na narrativa vai para a tela. Nos filmes ninguém tem que se preocupar com todas as condições da sociedade líquida porque é essa própria sociedade que faz os filmes, onde a vida de várias pessoas, onde relacionamentos e valores são apresentados em 120 minutos e fim, você não precisa mais se importar com o que vai acontecer com aqueles personagens amanhã.
Então nós queremos aquela vida dos filmes porque aquilo é a parte intensa e interessante da vida daquela pessoa, é nada mais importa. Existem pessoas que reclamam das coincidências nos filmes, de quando as coisas que sempre foram ordinárias de repente mudassem, mas pessoa, é justamente isso que faz um filme, algo diferente que acontece em uma vida ordinária, pois qual seria a graça de um filme sobre uma vida ordinária se já temos isso todo dia, com nós mesmos?
Então fantasiamos sobre filmes, de que as pessoas realmente se importem com a gente, porque, no filme do qual queremos fazer parte, não queremos ser coadjuvantes, queremos ser o principal, queremos que a história gire ao nosso redor, pois daí, todas nossas aspirações e ações e pensamentos e desejos teriam importância, por pelo menos 120 minutos.
Nesse meu filme, teria uma cena sobre minha falando com uma amiga sobre desejos e sonhos para o futuro, e ela teria interesse e depois compartilharia os seus; outra cena seria eu conhecendo o senhor prefeito e nós dois claramente se apaixonando e transando e conversando coisas profundas sobre a vida, a verdade é o universo. Outra cena seria eu morando sozinha, de moletom e calcinha, cozinhando talvez e escutando vinis, num apartamento com uma claridade parecida com Londres ou outro país da Europa. Outra seria conhecendo o mundo, pessoas novas, talvez namorando outras pessoas, fogueira na floresta com música e comida, dormindo no fundo de uma Kombi, abraçado com alguém, como um clipe de rock Indie. Em nenhuma das cenas estaria muito calor, nem seria trânsito, ou mesmo celulares e computadores, nem faculdade nem compromissos, e todas as conversas seriam importantes, não haveria desentendimento ou mal-entendidos, não haveria mágoa ou tristeza, porque os minutos do filme não poderiam ser desperdiçados com isso. O filme também teria que acabar no momento certo, antes que tudo volte a dar errado, ou pior, se tornar ordinário, com um plano sequência bonito de uma paisagem, depois que tudo aquilo que foi pensado em algum ponto por mim tenha sido realizado durante o filme, e por alguns segundos, enquanto sobe os créditos, tudo estará bem.
20/08/17
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Para não sufocar
No FicciónHistórias do meu cotidiano, desabafos, coisas que sinto e que preciso por em palavras para não sufocar, escritas ao longo de 9 anos e contando.