A menos de 24 horas atrás você disse que não me amaria da mesma forma se eu fosse lésbica, na frente dos meus avós, meu pai, não importou. Meu coração bateu forte, acelerado, não pela possibilidade de você não me aceitar em casa ou coisa do tipo, mas sim por saber que a mulher que eu mais admiro em toda a minha vida pensa assim. Não acho que sou lésbica, não é esse o ponto, é a forma de pensar, saber o que o Brasil de 2019 fez com você, a mulher que eu mais admiro nesse mundo.
E novamente, porque só em momentos assim tenho vontade de escrever, estou agora aqui, sem conseguir dormir, escrevendo para não sufocar. É em momentos como esse, quando soluções simples não aparecem, que eu desejo sumir, nunca ter nascido, não ter que viver nesse mundo, nesse país. Parece até engraçado que assuntos como política possa causar um efeito tão negativo em mim, mas se você, caro leitor, está lendo isso sem saber o contexto, procure um pouco, pesquise a data, se informe.
Sempre soube que a ignorância é uma benção, mas ainda não inventaram a pílula da ignorância, não tem o que se fazer. Parece que tudo está se despedaçando, todas as esperanças, as objetivas e as subjetivas, estamos já vivendo a censura, a ditadura já chegou aqui em casa, eu já não sou mais amada da forma que deveria ser, incondicionalmente, pela minha mãe...
Sempre gostei de exatas, as equações tinham um resultado certo e só, se não chegasse no resultado, você tinha feito algo errado no caminho, não há ninguém a se culpar a não ser você. Mas a sociedade não é feita pelo pessoal de exatas, e sim de humanas, de relações com diversas variáveis em que não se chega a uma resposta certa nem se você não errar nenhum passo do caminho. Eu fui ensinada a seguir o caminho, a fazer o certo, disseram que se fizesse tudo certinho ia-se chegar no resultado pretendido, mas depois de duas décadas jogando o jogo, aprendi que não se chega no final, não existe resultado, tudo se torna um grande desconsolo.
Disseram para estudar, gostar da escola, tirar boas notas, obedecer os pais, não beber, não namorar, não andar com x e y, não esquecer a tarefa, conseguir entrar na faculdade, disseram calma, você está quase no final, disseram para arrumar um trabalho, disseram para ter sucesso, e pronto. Onde você errou que ainda não chegou no seu?! Como você foi tão incapaz, vagabunda, inútil, vai ficar o dia inteiro nesse computador? Por que não vai achar um emprego? Por que não vai trabalhar? Fazer concurso? Ganhar dinheiro? Você não sabe que esse é o próximo passo?
Não há trabalho na sociedade que vivo hoje, não há. Eu já estou com vergonha de dizer minha formação, não importa, nem recém-formada eu sou mais, acabou o prazo de piedade, de paciência, de compreensão. Agora sou eu que estou errando o caminho que é tão fácil e previsível, é só seguir todo mundo, foi fácil para eles. É só fazer...
Olhando a retrocesso nossa relação, consigo ver um padrão e até um futuro provável. As brigas e opiniões divergentes não eram/são apenas um detalhe, elas só ficavam quietas quando eu estava disposta a ignorar, até quando eu não fui mais e a merda foi no ventilador, depois a gente limpa, espera um pouco, finge que se ama, mas na verdade só se atura por interesse mútuo, e o ciclo se repete. Quanto ao futuro, só imagino eu falando de como ela é difícil de se estar junto, de dizer ao meu marido e filhos, se um dia quiser, de como as coisas que ela diz não devem ser levadas a sério, de como o pensamento dela é errado, de como grita com a TV e escuta gente gritando no celular, de pensar em visita-la nos feriados só por obrigação, ou para ver meu pai, de pedir para o Luís Henrique visitar ela e dizer que eu estou muito ocupada na nova cidade em que moro, e que fica difícil dela vir visitar porque a casa é pequena e eu não paro em casa. E vai assim, como todo velho, que a gente não quer admitir para as crianças da família, mas que na verdade, faz muita coisa errada e não é mais tão legal de se estar perto, é melhor pensar em desculpas para ir embora assim que chegar.
Esse é o jogo que mandaram a gente jogar, certo?! Vamos jogar intensamente, para valer!!
09/09/19
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Para não sufocar
No FicciónHistórias do meu cotidiano, desabafos, coisas que sinto e que preciso por em palavras para não sufocar, escritas ao longo de 9 anos e contando.