Diário de Quarentena, Campo Grande - MS, dia 20 de março de 2020
São 22hrs, acabei de me informar sobre previsões científicas para o futuro. Em uma hora e meia é aniversário do meu primo e não quero ir vê-lo porque não posso ficar perto dele e também porque prometi dar um brinquedo de presente e não posso comprar. Não poderia sair de casa, o certo é o isolamento. Nessa semana, estou ficando na farmácia por causa da saída do nosso farmacêutico. Em contato com pessoas e, da maneira mais breve possível, em contato com meus avós. Acho que meu vô não sobrevive a esse vírus, pelo vírus em si ou pela falta de atendimento devido à sobrecarga da saúde. É estranho imaginar que a causa de crises depressivas em uma jovem de 23 anos (recém-completados) seja isso, um vírus, uma doença, uma pandemia, e não relacionamentos e problemas familiares. Essa é nossa realidade, é a tragédia de saber que o cenário mais otimista é terrível, impensável.
Agora, no maior esforço que eu consigo fazer para pensar no melhor cenário, teríamos que fechar a farmácia, meu pai não é nenhum adolescente e saúde já não é seu forte; ficaríamos sem renda, apenas com meu salário, no melhor dos casos, já que não existe fundo de garantia para patrão; ficaríamos sim com muitas contas, quatro empréstimos, uma farmácia parada e contas e contas se acumulando; uma casa com um ambiente horrível, brigas e caras viradas (aí sim problemas dignos de depressão); um irmão adolescente que não está entendendo a situação (o cérebro dele ainda não desenvolveu o lóbulo frontal totalmente); e isolamento geral, sem ver meus avós, mesmo se eles ficarem doentes, se precisarem de ajuda ou internação, e ainda saber que se isso acontecer, nem adianta ir no hospital, já tem muita gente morrendo lá, ele não tem anos de vida suficientes pela frente para receber atendimento.
Até podemos pensar num cenário em que a farmácia permaneça aberta, se você quiser, mas não tem movimento, sem cientes, sem dinheiro, segue a primeira situação. No cenário positivo, a vida volta ao normal em agosto, mas com centenas de pessoas a menos, uma economia quebradíssima, pessoas muito endividadas, sem dinheiro para comprar coisas, e um governo, bem, esse governo. Se isso não te deprime, em que mundo você vive?
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Para não sufocar
Não FicçãoHistórias do meu cotidiano, desabafos, coisas que sinto e que preciso por em palavras para não sufocar, escritas ao longo de 9 anos e contando.