E hoje eu perdi, perdi algo, uma coisa, um objeto, mas algo que não sabia que amava até perdê-lo, assim, de repente. Perdi meu carro, que não era meu, mas que para mim era. Meu Uno, aonde eu aprendi a dirigir, aprendi a correr, aprendi a ser o mais próximo de adulta que já fui. Ele era o símbolo da minha independência, contanto que tivesse dinheiro para gasolina, era não só um meio de transporte, mas uma parte da minha personalidade, que não ligava pra opinião dos outros que o chamam antiquados, que era bruto mais eficiente, sem frescura ou modernidades, era só o que importava, um bom motor e a potência de se chegar onde deveria, um som zoado, que só funciona de um lado, mas que tocava as melhores músicas e me proporciona as melhores performances. E pensando agora, não tenho fotos suas.
Nas tardes de quintas, você era a casa, nas manhãs de sextas, um lugar para relaxar, nas noites de sábado, era libertação, nas voltas para casa, era meu palco e minha plateia, no dia a dia, meu transporte guerreiro. Esse ano, nos unimos, melhoramos juntos, ainda te fazia morrer, mas tudo bem, sua primeira era potente o suficiente para não me fazer passar vergonha. E o lema era: conseguíamos ultrapassar qualquer um, desde que ele não soubesse que queríamos ultrapassar. Sempre tive o sentimento que um dia ia te estragar, você me deu confiança demais, e achei que um dia eu perderia e te machucaria. Mas como é irônica a vida, das duas vezes que houve acidentes, as duas você estava parado, e eu não estava junto. Dessa vez eu te perdi e talvez nem tenha chance de dizer adeus.
Sinto pela aquela viagem sozinha que nunca fizemos, por não arrumar todas suas tremedeiras e nem comprar uma caixa de som nova, sinto muito pela vez que coloquei álcool em você e acabei com sua potência, sinto muito por não ter mais você ao meu lado. Você era mais que um carro, era minha declaração de independência, talvez eu te vendesse para dar entrada numa casa, com muita cor no coração, eu continuasse te usando para economizar para a casa, de algum jeito você seria meu e seria o primeiro passo da minha nova história, mas nada disso agora vai acontecer, porque você se foi do nada, pelas ironias da vida e eu fico presa, dependente e impotente. Mas mesmo assim, obrigada por esses três anos e meio, sentirei sua falta.
11/11/18
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Para não sufocar
Non-FictionHistórias do meu cotidiano, desabafos, coisas que sinto e que preciso por em palavras para não sufocar, escritas ao longo de 9 anos e contando.