Para estranhos - 16/11/2020

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Me deparei esses dias com um canal no YouTube de uma mulher que pergunta coisas para estranhos na rua, coisas pessoais, as vezes doloridas, as vezes felizes, todas as vezes profundas. Eu, vendo aqueles vídeos, gostaria que alguém me perguntasse essas coisas, gostaria que alguém se interessasse em ouvir minhas respostas, que isso fosse importante, e não como um sonho chato de um amigo. Queria que essa pessoa me amasse a ponto de querer saber tudo sobre mim, a coisa mais intima, confidencial, pessoal possível, queria poder estar vulnerável e também ouvir a vulnerabilidade dela. Mas não é assim. Não tem ninguém que se encaixa nessa categoria.

Então fui para o mais próximo disso que tenho acesso, minhas amigas de faculdade, todas psicólogas, todas cientes da dor do outro, todas com uma grande capacidade de empatia e compreensão. E ainda assim, elas não tiveram muito interesse em conversar sobre essas coisas profundas, e eu entendo elas, porque, por mais que eu queira compartilhar tudo isso com quem eu confio, não são assuntos fáceis de se conversar, muitas vezes são feridas e dores ainda abertas, e mexer nelas pode não gerar nada mais do que apenas mais dor. Por isso abafamos essas coisas, colocamos numa caixinha e fechamos, e as vezes podemos esperar alguém para poder abrir a caixinha ou então deixamos de lado até ela se decompor sozinha, sem causar tanta dor.

Eu tenha uma caixinha assim, na verdade, você está nela agora mesmo, minha caixinha para não sufocar. E por isso eu vou, eu mesmo, responder as perguntas que eu gostaria que um estranho ou qualquer um me fizesse e se importasse com a resposta. E depois de responder tudo que eu quero, de filosofar tudo que eu quiser, eu fecho novamente a caixa e fantasio que eu tive essas conversas, e não só falei comigo mesma. Então começando:

1) Qual a coisa mais dolorosa que alguém já te disse?

Bem, essa resposta, assim como todas as outras vão ser limitadas pela minha memória dos fatos, e talvez não reflitam toda a minha vida, mas sim meu momento atual. Acho que a coisa mais dolorosa que alguém me disse foi minha mãe falando que não me amaria mais se eu fosse gay. Eu sei que foi no calor do momento, mas me marcou pelo posicionamento dela. Eu não sou gay, por isso não levei tanto para o pessoal, mas ouvir aquela resposta me mostrou aonde alguém pode ir pelo seu posicionamento político, o que para mim, é longe demais.

2) Qual é o estranho que você ainda se lembra?

Acredito que o casal de idosos no ônibus voltando da faculdade, de mãos dadas num calor terrível. Esses dois me marcaram sem nunca terem falado comigo, e no momento eu refleti como o amor é lindo e duradouro quando se ama de verdade, um amor incondicional e pleno, e agora, alguns anos depois, aquela cena me remete mais a algo que eu nunca vou ter, não da forma com que as coisas andam ultimamente. Talvez o amor vença, mas ele vai ter que se esforçar muito.

3) Qual é a coisa que você deseja nunca ter ouvido?

Eu não sei essa resposta, acho que terei quando eu perder alguém que amo, ou algo do tipo. Pois, atualmente, eu prefiro saber de tudo para daí poder lidar com a situação, então essa segue sem resposta.

4) Qual é seu maior segredo?

Acho que socialmente, numa resposta curta, seria minha virgindade, que é algo socialmente muito difícil de se admitir, por mais desconstruída que você seja. Com minha idade atual, eu me sinto um fracasso nesse aspecto, realmente como um segredo muito secreto que, se todo mundo soubesse, acabaria comigo mesmo. Acho que esse é o próximo tabu que precisa ser desconstruído, para que as pessoas não sintam a vergonha que eu sinto. O lance de ser virgem se torna uma bola de neve com o tempo, porque quanto mais velha você fica, mais difícil é para você encontrar alguém que te entenda e respeite para daí perder a virgindade. Isso se torna um problema exponencial, e a cada domingo que se passa, eu me torno mais consciente disso e mais encabulada também. Eu já cogitei até as possibilidades mais estranhas e ainda não descartei nenhuma, o problema é só que eu crio obstáculos ou condições na minha cabeça que, por mais reais que sejam, não facilitam nada minha situação. Imagina você, seu maior segredo é aquilo que te separa da coisa que pode te levar a maior felicidade que você vai conhecer, e toda vez que você quer buscar essa felicidade, esse segredo fica no caminho, como uma sombra preta te assombrando. E o problema não é o ato em si, mas o fato que de eu nunca tive intimidade com ninguém, nunca namorei, não sei direito o que é se apaixonar, não sei me comportar nas situações, eu tenha um deficiência social quando se diz respeito a romance, eu realmente não sei como agir, como uma pessoa autista ou com problema de socialização. Eu olho uma pessoa e imagino namorando ela, imagina que ela seria uma pessoa muito legal e tudo mais, mas a ansiedade e angustia que todo o processo até chegar no romance me causa é torturante, dói no peito, como uma criança que foi deixada sozinha, e então eu prefiro evitar essa dor, porque não estou achando que valha a pena sentir ela de novo e de novo até, quem sabe um dia, eu realmente conheça alguém especial. Eu entendo os japoneses que não querem mais transar. O problema não é o sexo, mas todo o desgaste emocional que chegar a ela causa. Bem, não sei se quero revelar meu mais segredo de todos para alguns estranhos, mas com 23 anos, não há muito a se fazer a respeito, isso aqui não é o ensino médio que as pessoas namoram sem transar. Eu perdi essa fase, e perdi novamente na faculdade quando todos se descobrem, a janela de tempo se fechou e agora não é permitido mais inseguranças e medos adolescentes. Você é formada, Laura, tem emprego, é psicóloga, professora, e nunca transou? Vai ter que admitir isso para um cara aí? Como uma menina de 16 anos, insegura na sua primeira vez? Que coisa feia, Laura, você tem que dar um jeito nisso, e rápido!

5) Qual a coisa mais dolorosa que você já disse para alguém?

Eu não sei exatamente a frase ou a conversa, mas sei que falei muita coisa que me arrependo no geral para me irmão nos anos que estudávamos na mesma escola, eu tinha 15, 16 anos e ele 10, 11. Então foi um período complicado, eu querendo ser adulta e ele querendo ser adolescente. Eu me arrependo de maneira geral, mas sei também que não tinha como ser uma pessoa melhor naquela situação, ou na verdade podia, só não queria. Eu acho que nunca pedi desculpas, mas tento hoje em dia ser uma irmã melhor, novamente, dentro do possível, já que ele é claramente, uma pessoa melhor que eu, com grande vantagem. Não sei exatamente em que momento isso começou, mas eu gostei de ser a rude e fria, talvez eu tenha abraçado isso depois de acusações dos outros, como minha forma de lidar com as críticas. Eu abracei a frieza, a grosseria, a falta de sentimento, foi minha forma de lidar, e acredito que estou indo bem assim, o problema é que magoo pessoas no caminho, como minha mãe, meu irmão e minha vó. Ter empatia por aqueles que me são próximos é mais difícil do que por aqueles que não conheço, o que é triste, e eu sei que vou morrer sozinha. Nem prometo melhorar, pois é essa forma de pensar que me fez estar aqui hoje, forte de uma forma que me agrada, que me faz sobreviver.

Chega por hoje, boa noite.

16/11/2020

Para não sufocarOnde histórias criam vida. Descubra agora