Primavera de 1992

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POV Dulce Maria

Abro meus olhos confusa, pela janela consigo reparar no céu estrelado indicando que ainda é noite, mas a luz amarela por debaixo da minha porta me incomoda, não tanto como os gritos que escuto. O relógio digital no criado mudo mostra onze horas em ponto, estou sonolenta demais para conseguir entender a confusão que está acontecendo.

Arrasto-me para fora da cama, quero entender o que se passa do outro lado da porta. A voz de minha mãe parece alterada demais para a mulher tão calma que eu conhecia e meu pai frio demais como sempre havia sido.

Com os pés descalços, percorro todo o corredor e sigo até a escada. Paro ali no início enquanto vejo os dois discutirem, próximo ao meu pai, uma mala.

— Papai, o senhor vai viajar?

Ambos param a discussão no mesmo instante e me encaram, não pareciam estar esperando que eu estivesse ali, mas ficava impossível dormir com toda aquela gritaria.

— Eu volto assim que possível, filha. Volte a dormir.

— Pra onde o senhor vai?

— Diga... diga a ela para onde vai, Fernando! DIGA QUEM É A VADIA QUE ESTÁ ROUBANDO O PAI DELA.

— Do que está falando, mamãe?

Pergunto completamente perplexa. Eu já os tinha visto discutir outras vezes, mas o rosto encharcado e os olhos vermelhos de minha mãe indicavam que aquilo não era uma discussão boba.

— Ela só tem sete anos, Blanca. Deixe-a fora disso!

Meu pai solta a mala e tudo que tem em mãos, depois sobe os degraus até mim e me envolve em um abraço.

— O senhor vai deixar a gente? Não vai mais ser o meu pai? — Minha voz falha, mas não me permito chorar até poder entender o que havia acontecido. — Eu fiz alguma coisa errada?

— Não, Dulce, você não fez nada errado. Eu amo você, nunca se esqueça disso. Agora volte pra cama, está tarde e amanhã você tem aula logo cedo.

Foi com um beijo no alto da minha cabeça que ele se despediu e em questão de segundos o vi sair pela porta. Se eu soubesse que aquela partida seria apenas o início do meu pesadelo, teria me agarrado em suas pernas e jamais teria o deixado ir embora.






POV Christopher

Sento-me à mesa enquanto minha mãe prepara o café da manhã. Estou cansado de ter passado grande parte da noite lendo gibis escondido e não posso sobre hipótese alguma deixá-la saber disso.

— Bom dia, meu amor. Pronto para mais um dia?

— Eu já nasci pronto. — Engano-a com um sorriso. — O que termos para o café da manhã?

— Ovos mexidos.

— De novo? — Faço uma careta. — A gente come tanto ovo que daqui a pouco vamos sair carcarejando por aí.

— Mas é um comediante esse menino.

Olho para trás, ali está um senhor que eu já tinha visto com minha mãe algumas vezes, mas nunca havíamos sido apresentados devidamente. O homem estava vestido como um empresário que eu sempre via na TV e como o chefe da boate onde minha mãe trabalha. Na verdade, das poucas vezes que a acompanhei e pude escapar para ver lá dentro, todos os homens que a frequentavam vestiam-se assim.

— Christopher, esse é o Fernando, um amigo da mamãe. Ele vai passar um tempo aqui com a gente.

— Ele vai morar aqui?

— Ainda vamos ver o que fazer.

— O senhor sabe jogar videogame? — Ele assentiu, oferecendo-me um sorriso. — Maneiro!

Eu não conhecia meu pai e minha mãe sempre fugia do assunto quando eu tentava descobrir do paradeiro dele. Talvez ele fosse um dos amigos que ela sempre encontrava no trabalho durante a noite.

Nunca entendi direito o que ela fazia, segundo ela, era dançarina, mas não entendia o motivo de ela ter tantos amigos homens e só poder trabalhar durante a noite.

— Preciso ir trabalhar, tenho uma reunião importante na empresa hoje.

— Mas você nem comeu.

— Só tem ovos aqui. — Digo. Fernando assim como eu faz careta.

Meus olhos quase saltam para fora quando o vejo tirar a carteira e entregar algumas notas de valores altos para minha mãe. — Vá ao mercado e compre comida. Nunca mais vai faltar nada pra vocês.

— Fernando... — Minha mãe pareceu sem graça com o dinheiro, mas não demorou a aceitá-lo, dobrando as cédulas e guardando-a em seu decote. — Tudo bem, vamos ter um jantar digno hoje pelo menos.

— E você, Christopher? Vai uma carona para a escola?

— Carona? Eu sempre vou a pé.

— Eu te levo hoje e a gente come alguma coisa no caminho. Vamos?

Levanto-me sem esperar a aprovação de minha mãe e vou pegar minha mochila. Despeço-me dela e saio com Fernando rumo ao elevador, mas esse está em manutenção.

— De novo quebrado? — Ele pergunta e eu balanço meus ombros sem me importar.

— Isso quase nunca funciona, vamos de escada. A mamãe sempre diz que é bom pra saúde.

Não tínhamos a vida mais confortável, o dinheiro que minha mãe ganhava mal dava para pagar as contas e comprar comida e o prédio em que morávamos ficava numa região um tanto perigosa, além de ter uma situação precária. O elevador quase nunca funcionava, isso quando não acabava a água do prédio ou dava apagão geral, mas já estava acostumado a isso.

Quando chegamos do lado de fora há algumas pessoas amontoadas, o motivo é que tem um Dodge Viper preto e não era uma coisa comum no nosso bairro. Eu até que conhecia bem de carros, meu melhor amigo tinha uma coleção maneira de carrinhos em seu quarto, mas nunca tinha visto um daquele, em tamanho real tão de perto.

— Irado!

— Você gosta?

— Algum dia ainda terei um assim. — Digo animado e começo a olhar em volta. — Onde está o seu carro?

— Bem na sua frente.

— Não brinca!

Ele da uma risada e vai até o carro, abrindo a porta para mim enquanto as pessoas se afastam. — Vamos ou não teremos tempo para comer. Você gosta de croissant? Conheço um lugar maravilhoso.



*****************COMING SOON*****************

*Próxima atualização quando encerrar Confiar e Proibido

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