Viúva Negra - POV Dulce

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Apesar de não ter um centavo no bolso, a falta de transporte àquela hora não me deixou opção senão caminhar pelas ruas escuras e frias. Eu estava decidida em seguir meu caminho, e temente que alguém fosse atrás de mim, me escondia toda vez que algum carro se aproximava.

Eu já conhecia bem o caminho, mas isso não é significava que era menos perigoso. Caminhei por horas até meu destino, parava vez ou outra para descansar, mas consegui chegar onde queria. Por mais perigoso que fosse aquela região, eu me sentia de certa forma segura, porque Tony e sua família me protegiam. Eles gostavam de mim, e tinham sido mais família para mim do que Fernando algum dia foi capaz de ser.

Cheguei a bater no portão, eles não tinham companhia, mas ninguém atendeu. Eu sabia que estavam em casa, talvez não tivessem me ouvido, então eu me sentei ali encostada no portão, onde passei o resto da minha noite. Minhas mãos estavam gélidas, as pontas dos meus dedos doíam e colocá-las no bolso não era suficiente, mas eu não tinha nada mais quente senão o casaco do colégio que eu estava usando desde a manhã.

O frio foi tanto que meu corpo simplesmente se deu por vencido. Deixei-me escorregar para o lado e acabei adormecendo ali, enquanto meu corpo lutava para sobreviver.

— Acorda!!!

Senti meu corpo ser sacudido, mas eu estava sonolenta demais para sequer abrir meus olhos.

— Ela está hipotérmica, leva ela pra dentro.

Alguém me tirou do chão e segundos depois me colocou em algo macio, jogando uma coberta quente em cima de mim.

— Dulce, acorda. Olha pra mim!

Com dificuldade abri meus olhos, Tony estava ali, seu olhar era de total preocupação.

— O que estava fazendo lá fora.

— Eu... eu fugi de casa. — Disse, me encolhendo. — Eu estou com frio, muito frio.

— Eu vou preparar algo pra ela beber.

Eu tremia descontroladamente, meus lábios doíam e minha única vontade naquele instante era de dormir, mas eles não permitiram e cuidaram de mim. Uma sopa quente, um banho e então eu estava melhorando.

Somente depois de me recuperar expliquei a eles o que havia acontecido. Tony não pareceu feliz em me ouvir dizer o que Fernando tinha feito, mas eu não iria mentir, estava com muito ódio para tentar livrar a culpa daquele homem.

— Eu não quero voltar pra casa, me deixem ficar aqui, por favor.

Minha voz saiu falha, mas eu não chorei, eu não queria mais chorar, estava cansada de tudo e ninguém merecia minhas lágrimas.

— Dulce, você ainda é menor, além do mais, certeza que vão te procurar por aqui.

— Não, não vão. Eu nunca cintei a ninguém onde vocês moram, por favor, eu não quero voltar pra casa. Eu prefiro morrer a ter que voltar pra lá.

Tony olhou para seus pais, ambos estavam sem saber o que fazer, mas eu tinha certeza de que não sabiam onde eles moravam, nem mesmo o nome deles deixei escapar, talvez estivesse prevendo o futuro, mas nunca quis que eles se conectassem.

— Faz o seguinte, você vai descansar um pouco e então a gente conversa sobre isso, tá bom? — Disse a mãe dele, arrumando o cobertor sobre mim.

— Promete que não vão chamar ninguém?

— Não se preocupe, meu bem. Você está a salvo com a gente.

Passei o restante do dia sendo mimada por Verônica, ela foi a única que ficou em casa, já que Tony precisava ir trabalhar. Tony era dois anos mais velho do que eu, já tinha alcançado a maioridade e segundo ele, estava trabalhando nos negócios do pai.

No final do dia, a gente conversou e eles permitiram que eu ficasse na casa deles, mas precisaríamos ser cuidadosos, e eu só fui entender o porquê de tanto medo da polícia ir ali, quando ele me levou até o local de trabalho no dia seguinte.

— O que você vai ver agora, não pode ser contado para a polícia, tá bom?

Por um instante pensei que mexiam com tráfico ou qualquer coisa realmente grave, mas quando entrei ali, parecia um bar qualquer. Tony cumprimentou as mulheres por trás da bancada e seguiu seu caminho até o fundo, e somente quando atravessamos a porta e um corredor apertado, pude saber do que se tratava. Pela primeira vez Tony me explicou que ele trabalhava com luta, porém, ilegal. Eles não tinham autorização para ter aquilo, mas tiravam muito dinheiro das apostas que as pessoas faziam ali.

— Parece coisa de filme. — Disse olhando em volta, era um local não muito grande, mas o ring era como uma gaiola, uma vez lá dentro, os lutadores só saíam quando um deles tivesse ganhado.

— Filmes são mais reais que você imagina.

— Eu prefiro não fazer muita pergunta.

— Não se preocupe, não vai se inteirar de nada que não seja permitido.

— Tony?

— Oi, meu anjo?

— Você luta também? — Não olhei para ele enquanto perguntava, na verdade estava mais ocupada olhando um homem treinando com um saco de pancada.

— Só por passa tempo, a parte financeira é o meu trabalho aqui.

— A sim.

— Posso te pedir para não falar meu nome aqui? Quer dizer, as pessoas têm um codinome, por questão de segurança mesmo.

— Codinome? Sério? Como eu deveria te chamar?

Tony ofereceu-me um sorriso e então me estendeu a mão. Subimos por uma escada caracol e então entramos em um escritório, na parede de fundo tinha uma pintura, como se garras de algum animal feroz estivessem arranhando a parede.

— Aqui as pessoas me chamam de Garra.

— Nossa!

— O que foi?

— Você é tão gentil, não combina com você.

— Talvez você apenas não me conheça direito, Dul.

Olhei pela parede de vidro, o ring lá embaixo agora estava ocupado, mas não havia plateia, então deduzi que estavam apenas treinando.

— Me ensina a lutar?

— Você?

— Sim, eu... eu quero me ocupar com alguma coisa, e sei lá, preciso descontar meu ódio em algo, não acha?

— É, você precisa sim. — Tony se sentou na sua mesa e ficou sacudindo as pernas. — Você precisa de um codinome.

— Preciso?

— Sim, vamos pensar em algo.

Por um instante eu fiquei pensando como eu poderia ser chamada. Eu não queria lutar para competir, apenas para descarregar a raiva que habitava dentro de mim. Eu decidi ir embora de casa, de um lar que nunca pertenceu e estava disposta a seguir minha vida longe daquelas pessoas, se dependesse de mim, para sempre. Deixei para trás pessoas que eu gostava, meus amigos e até o garoto pelo qual me apaixonei, e por mais doloroso que fosse isso, essa era minha decisão e eu não iria voltar atrás.

— Já sei. — Virei-me para ele oferecendo-lhe um sorriso.

— E então?

— Pode me chamar de Viúva Negra.

A Viúva Negra é uma espécie de aranha conhecida por devorar seu macho após a cópula, e talvez, de uma maneira torta, isso me identificava. Eu não iria virar uma canibal e me alimentar das pessoas, mas não estava minimamente disposta a me envolver sentimentalmente com ninguém. Sentimentos machucam, te deixam frágeis e eu precisava ser forte. 

Destinos Cruzados | VONDYOnde histórias criam vida. Descubra agora