CAPÍTULO QUINZE - CHRISTOPHER

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Quando expliquei a Alexia o que seria da nossa vida nos próximos meses, ela simplesmente surtou. Ela jurava, de pés juntos, que não iria morar com Dulce, mas ela não tinha escolha, afinal, ainda era menor e eu era o único adulto com capacidade física para cuidar dela, já que minha mãe, apesar de ter perdido apenas a perna no acidente, recusava-se a viver. Ela quase não comia, e tinha baixado de peso assustadoramente em poucos dias. Eu não conseguia fechar meus olhos sem conseguir me lembrar do seu olhar de julgamento e decepção quando apresentei a ela a casa de repouso onde ela ficaria.

Eu não me sentia o melhor filho do mundo tomando aquela decisão, mas eu não conseguiria ficar em casa me matando de cuidar dela, porque precisava trabalhar para conseguir pagar as contas e contratar alguém para cuidar dela em casa, não era uma opção, porque sairia bem mais caro, além de que eu ainda precisaria pagar o aluguel do apartamento.

Nos últimos dias eu estava basicamente mantendo uma comunicação via telefone com Dulce, porque estava na correria entre trabalho e organizar a minha vida, entretanto, uma parte de mim me fez querer ir vê-la no meio da noite, quando ela parou de responder minhas mensagens depois de dizer que estava sem o menor sono. Liguei, ela atendeu, mas em seguida eu ouvi um barulho como se o telefone tivesse caído no chão e em seguida um som estranho de quem estava se sufocando.

— Dulce, tá tudo bem? Você está aí?

Não obtive respostas. Saí de casa sem sequer me trocar ou avisar ninguém e fiquei tento fazer com que ela me respondesse, entretanto, depois de um tempo, aquele som estranho parou e só houve silêncio. A cidade, apesar de ter as ruas vazias, pareceu maior e os minutos se prolongaram no meu trajeto.

Consegui finalmente chegar em sua casa, a única luz acesa que pude ver, vinha da janela de seu quarto. Toquei a campainha, o segurança que ficava vigiando a casa logo apareceu, me encarando como quem não estava feliz com a minha presença.

— Eu preciso entrar. — Disse, em tom de desespero.

— A dona Dulce disse que não quer ser incomodada.

— Ela não está bem, por favor, me deixe entrar.

— Eu só estou seguindo ordem.

— Olha, eu sei que está fazendo seu trabalho, mas eu acho que ela precisa de ajuda, de verdade.

— Tem dois dias que ela diz que se alguém chegar aqui, é pra botar pra correr. O senhor vai querer ir por vontade própria, ou precisarei forçar?

Passei a mão no rosto, Dulce não mencionou que estava tentando ficar sozinha, que não queria visitas. Pelo contrário, em todas as mensagens que trocamos, apesar de muitas parecerem sem sentido, ela parecia estar bem e com um humor que não combinava muito com ela.

— Você pode por favor checar se ela está bem? Eu preciso saber.

Era quatro horas da manhã, e eu estava desesperado. Ela podia simplesmente ter pegado no sono, mas algo dentro de mim gritava de pavor. O cara voltou a entrar na casa sem dizer nada e fechou o portão na minha cara. O que eu deveria fazer? Saltar os muros e ser eletrocutado pela cerca elétrica? Chamar a polícia?

— DULCE!

Gritei seu nome, as ruas estavam tão vazias que minha voz ecoou. Se ela estivesse acordada, ela iria me atender, não permitiria que eu fizesse escândalo àquela altura da noite para que seus vizinhos acordassem. Ela não era o tipo que gostava de chamar a atenção de ninguém.

— DULCE, SOU EU, O CHRISTOPHER, DEIXA EU ENTRAR.

Ouvi o portão ser destravado eletronicamente, mas ninguém por ele apareceu. Hesitei por um instante, não queria levar um tiro por entrar na casa sem a autorização do segurança, mas ele não apareceu. Eu entrei no local, a casa estava toda escura, não conseguia ouvir nada, então fui até o quarto dela e a cena que deparei, foi traumatizante.

Dulce estava se contorcendo no chão, sua boca estava espumando e eu podia ver seus dedos dobrando com certa força. O segurança estava no telefone, consegui ouvi-lo falar o endereço da casa.

Fui até ela e tentei proteger sua cabeça, eu não sabia exatamente como fazer aquilo parar, mas sabia que ela estava no meio de uma overdose. Olhei em volta, tinha uma seringa no seu criado mudo, junto com um pó branco e alguns comprimidos, além de uma garrafa de whisky quase finalizada.

— O que foi que você fez, Dulce?

Minha voz falhou, ela estava tentando se matar? Ela me disse que não usava heroína, por que ela tinha feito isso? Seu corpo, que até então se remexia sem controle, simplesmente parou, como se sua alma tivesse ido embora e ficado apenas a carcaça.

— Dul? — Chamei por ela, não obtive resposta. Tremendo, chequei sua pulsação e ela havia sumido completamente. — Droga, não... não faz isso.

Ajoelhei-me ao seu lado e comecei a fazer massagem cardíaca nela. Eu era treinado, eu sabia como fazer isso, e já até tinha usado a técnica algumas vezes, mas nunca em alguém que eu conhecia, alguém que eu amava. Enquanto eu pressionava minhas mãos contra seu peito, as lágrimas escorriam. Não conseguia aceitar que ela estava partindo, aquilo não era justo.

Fiquei ali, entre a massagem toráxica e a respiração boca a boca até que os paramédicos chegaram e me tiraram de cima dela e começaram a tentar reanimá-la ali mesmo. Encolhi-me perto da cama e me permiti chorar, ela estava tão destruída fisicamente falando que eu deduzi que ela estava fazendo isso há alguns dias.

— Por favor, tragam ela de volta. — Implorei, eu não estava preparado para vê-la partir. De novo não.

Eles pararam, checaram a pulsação, e então me olhavam com pena. O paramédico olhou o relógio em seu punho, e então eu soube que ela tinha ido.

— Hora da morte, quatro e...

Então ela se mexeu, o ar parecia ter voltado aos seus pulmões de uma maneira milagrosa, mas ela não abriu os olhos e mesmo assim demonstrou muita dificuldade para conseguir respirar.

— Ela voltou. — Declarou o paramédico.

E então eles agiram rápido. Eles começaram a intubação ali mesmo, assim como colocá-la numa intravenosa. Dulce estava completamente inconsciente do que estava acontecendo, seu único trabalho naquele instante, era tentar se manter viva.

— Eu posso ir com vocês?

— Sim.

Consegui segurar sua mão um tanto fria enquanto estávamos na ambulância. Vê-la ali me fez querer ligar para a polícia na primeira oportunidade e denunciar todo o tráfico que a tinha envolvido nisso, mas eu sabia que se fizesse isso, ela sairia do hospital direto para a polícia. Eu esperava algum dia poder fazer isso, mas quando isso acontecesse, eu precisaria que ela estivesse do meu lado, não do lado dos meus inimigos.

Foram algumas horas de espera até que ela passasse por um processo de desintoxicação. O exame toxicológico chegou, já era de manhã e Dulce testou positivo para heroína, cocaína, LSD, e ecstasy, além de um alto teor alcóolico. Seu corpo simplesmente entrou em choque com tanta droga misturada.

— Ela estar viva, é um milagre. — Afirmou a médica. — Vamos aguardar que ela acorde e saberemos se haverá sequelas.

— Eu posso vê-la?

— Sim, vou pedir que te acompanhem até o quarto.

Era claro que ela estava na UTI, mas vê-la ali me partiu o coração. A culpa nunca me bateu tão forte como naquele momento, por que eu sabia que eu poderia ter impedido tudo isso quando éramos mais novos. Eu vi o mundo dela desmoronar e me fiz de cego, eu não estendi minhas mãos para ela quando ela estava gritando por ajuda e agora eu não sabia se era tarde demais para trazê-la de volta.

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