Reage.

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Aviso de conteúdo sensível.

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Era uma manhã de domingo, as mães haviam passado toda a madrugada ali naquele hospital até que permitissem as mulheres a verem sua filha, disseram que ouvir vozes conhecidas talvez poderia ajudar Heloísa em seu processo de reação... Era o último dia antes de declarar o coma, ela precisava reagir e já estava nas últimas horas, os sinais estavam os mesmos, nenhum pequeno indício de melhora.

— Oi, meu amor. — A voz de Aurora saiu tão falhada, havia passado um tempo só observando a menina desacordada que era mantida viva pela ajuda das máquinas. — É a mamãe Aurora, eu tô sozinha porque a Carol... A Carol não tá bem. — Suspirou cansadamente. — Você sabe que sua outra mãe é forte e ela estava tentando aguentar tudo, se mostrar firme, só que tem vezes que a gente precisa desmoronar. — Desabafava com calma. — Ela desmaiou antes de entrar aqui, tá quietinha em um leito porque está com febre emocional, mas assim que melhorar vem conversar um pouquinho com você. Sabe, você tá fazendo muita falta, eu tô com tanta saudade de ouvir tua voz.

O barulho das máquinas era agonizante, o som da respiração ajudada e nada, nada de Heloísa ao menos apertar as pálpebras, grunhir, mexer um dedo sequer, nada de mostrar que estava viva realmente.

— Se eu soubesse que tudo ficaria mais silêncioso... Sinto falta de você correndo pelo quarto do hotel, de brigar pelo controle da televisão porque na primeira oportunidade você colocava galinha pintadinha pra tocar e olha que nem sabia escrever, mas havia gravado como chegava no vídeo sozinha pra não ter que ficar pedindo a gente. — A cabeça baixou em derrota. — Eu sinto até saudade de você me chamando de senhora quando estava brava e não queria descontar isso em ninguém... "Senhora, por favor não fale comigo agora". — Gargalhou ao imitar a menina.  — Ai eu perguntava o porquê de você estar me chamando assim e você sempre repetia um "Porque eu estou muito, muito brava"... No início eu não entendia o porquê que você agia assim, mas agora compreendo que você não queria me desrespeitar e como seu tom de voz ficava agressivo quando estava estressada, você adotava um apelido educado para mostrar que não havia perdido o respeito por mim. Seria estranho você me chamar pelo nome, soaria ríspido ou grosseiro, entendo.

Seu coração estava tão acelerado por causa das esperanças, estar ao lado de Heloísa era estar o tempo inteiro esperando por alguma resposta corporal, poderia acontecer a qualquer instante, assim como também não poderia.

— Saudade de você repetindo o tempo inteiro um "Lo siento mucho" quando esbarrava nas coisas, lembro quando Carolina escutou você falar isso pela primeira vez, franziu as sobrancelhas e me olhou com uma cara de questionamento, eu disse que você havia nos escutado conversando em espanhol e agora havia apertado o botão de looping, então todas as vezes que você pedia desculpas, nós repetiamos a mesma frase junto a você bem baixinho. Agora que não está mais lá, fazemos o mesmo... Virou mania nossa e a gente sempre espera a sua voz por último, mas nunca tem. — Mordeu o lábio inferior segurando-se. — Eu sei que tô falando coisa com coisa, mas é porque você estava presente até nos pequenos detalhes, sempre roubava um pedaço de pão meu, a parte do mamão que você dividia todos os dias com Carol agora sobra, a gente sempre busca pelo seu cheiro, sinto falta até de quando me acordava no meio da noite dizendo que estava morrendo de fome e lá ia eu fazer um chocolate quente pra você voltar a dormir bem... Eu sei que Carolina também tem os momentos contigo que sente falta, afinal vocês pareciam carne e unha, uma duplinha perfeita. Era parceira na dança apesar que sua cordenação já tivesse sido afetada, você adora aventura, gostava muito de água e vocês sempre se uniam, eu sinto saudade de ouvir a risada de vocês juntas. Hoje ela malmente sorri e eu tenho feito um esforço extremo pra não me deixar afundar, eu preciso salvar nós duas para que estejamos firmes quando você voltar.

Bilhetes para Aurora - Lésbico. (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora