capítulo sessenta e cinco

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"Um passo errado aqui 
custa uma vida”
— 66, DFIDELIZ 

China (Guilherme Bastos)

Eu sou um dos caras mais fodidos da face da terra, um cuzão, gostoso também porque nós não falta com humildade, mas um burrão do caralho! Admito mermo, tava no erro de não ter me ligado nos bagulhos e quase fui lá pra cima morar com o Mano JC, Jesus Cristo. Ou, na segunda opção que é a mais razoável de todas pra mim, morar com o diabo. Eu já dei vários dinheiros, alimentei e cuidei da minha melhor amiga que mais se parece a porra de um depósito de comida e de carência, certeza que pensando nisso Deus poderia até cogitar a possibilidade boa de deixar o inferno menos quente e maleável, caso fosse o meu destino daqui pra frente. Qual foi, fui humilde em vida pra chegar no inferno e morrer como vacilão? Tiro na nuca é coisa de mandado, cuzu. Porra nenhuma, quero todos os anos que me redimi em vida, lidar com Sofia não é fácil, não, por esse motivo mereço um prêmio daqueles.

Mas no papo reto, talvez, se por um segundo eu tivesse recuado ou parasse na lerdeza de sempre, uma bala estaria cravada na minha testa e a Sofia estaria chorando aos pés do meu caixão agora. De acordo com as minhas contas de bobeira, no maior tédio mermo só pensando merda da vida por aí, o total de três pessoas estariam no meu enterro. Não que isso me agrade de alguma maneira, mas não me deixa mal, pô. Eu quis viver assim e bato no peito pra arcar com as consequências. Eu escolhi ser assim justamente pra não ter algo ou alguém pra me importar com a ausência, o abandono é foda, deixei a dor de me ferir só pra minha anã feiosa. Não me aproximei o suficiente pra sentir alguém tão junto à mim quanto a Sofia, ninguém tem esse moral com o pretinho aqui, papo. Ela é única pra caralho de todas as formas, a minha pretinha é foda. Se eu morresse hoje e só tivesse ela no meu enterro, eu estaria mais do que feliz por isso. Ter a porra da oportunidade boa entre tantas escolhas ruins que já fiz na vida, é quase 0,1 de uma chance, é a probabilidade que nunca imaginei ter na vida. Me diz se não tô saindo ganhando?! 

Sofia e eu, desde pequenos, é uma conexão muito além da explicação, uma relação que eu não sei entender bem, mas eu sinto pra caralho. Meu coroa que era a pessoa que eu mais amava antes de conhecer ela, morreu. A minha mãe já tinha ido embora e nunca quis ao menos me conhecer. Ele morreu em uma operação qualquer, em um dia qualquer. Eu vi muitos dizendo que era azar, estar no lugar errado e na hora errada, mas nunca acreditei nisso. Senti ódio, quis me matar pra ir junto com ele, mas não deu certo. A rejeição da mulher que deveria ser minha mãe não me matou, mas me fodeu muito. O que quase me matou foi a morte do meu pai. Ele sim era um pai, coisas que muitos não são hoje em dia. E ainda em vida, ele fez tudo que podia. Meu pai trabalhou como pedreiro, se fodeu várias vezes pra não deixar que eu passasse fome na miséria que vivíamos. Que ela fez com que a gente ficasse. Ela foi embora, vendeu a casa que era nossa, tudo de valor, levou todo o dinheiro que ele tinha, roubou pessoas, e o meu pai teve que pagar a sua dívida até seu último suspiro de vida. Um esculacho o que ela fez com ele, não gosto de xingar mulher, mas porra, ein… Uma filha da puta total com quem só estendeu as mãos pra ela, vadia ingrata do caralho.

Mas eu passei a acreditar em momento certo quando conheci a Sofia. Se eu não estivesse naquele lugar, vivendo o momento certo, eu nunca teria conhecido a minha melhor amiga. Nem nunca teríamos brigado por causa de um morango, caído na porrada, na verdade, e eu nunca teria vivido tudo que vivi com ela, a maior felicidade que tive depois de anos me vivendo na maior merda. Não me arrependo de nada que escolhi, que vivi, que errei, o que fui. Todos esses meus erros moldaram quem sou hoje, nem se for na base da dor, neguin, e se me senti totalmente incapaz de algo ou até de mudar algum comportamento meu, e o dia que errei com ela, me senti o maior merda de todos. Não fiz muitos laços na vida, apesar de conversar com a maioria das pessoas. E te falar, porra, eu repensei mermo em toda a minha trajetória até aqui enquanto uma arma estava apontada na minha testa, vou mentir não. Clichê, mas aconteceu, tipo cena de filme de cria no morro, Cidade de Deus e os caralhos.

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