capítulo sessenta e quatro

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“Somos ideais 
um pro outro
Na verdade,
eu não quero só metade
Quero mais
Eu quero em dobro”
FILIPE RET, LOUCO PRA VOLTAR


Sofia

Pensativa, recordo sobre um pouquinho do nosso passado. Bryan me traz muito desse sentimento nostálgico que transborda no meu peito. Eu me sinto feliz em lembrar das coisas que vivemos quando crianças, mesmo depois de ficarmos longe por dez anos. Mas, ainda sim, eram muito felizes. Fomos felizes. E eu era completamente sortuda em ter ele como o meu único e melhor amigo por alguns anos e até por termos nos aproximado tanto como éramos. Em uma época difícil da minha vida, eu me vi procurando apoio em um garotinho tímido que tinha os olhos com a cor de mel ao sol, os olhos tão gentis quanto ele. Ainda vejo um pouco do antigo Bryan nele, mas, de todo modo, acho que sou maluca por isso, porque consigo ter um vislumbre efêmero do que ele era comigo quando os seus olhos encontram os meus. Sempre. Mesmo com tanto ódio e rancor, ainda consigo enxergar o brilho que tanto me atraía.

Aquela vagabunda da mãe dele o destruiu de dentro pra fora, como uma doença silenciosa. Mas eu vou fazer de tudo pra ele enxergar a vida do mesmo jeito que via antes, para se permitir ser alguém além do que ele tanto odeia. Depois de tudo o que passou, depois do inferno que passamos, acho que ambos merecemos paz. 

Mesmo que crianças, ainda éramos um do outro. Em segredo, só nós dois sabíamos daquilo, e prometemos em silêncio que nós iríamos ter tempo o suficiente para decidir o que sentir sobre isso. É estranho. Faz alguns dias essa semana que a minha mente tem ido somente nele, que é só Bryan, e que por mais que ele estivesse seriamente mais decidido em casar comigo quando criança, seus olhos me confirmam tudo o que ele me prometeu aos seus treze anos. Bryan está ao meu lado mesmo com todo caos que o cerca, e ele me faz bem. Eu gosto da companhia caótica dele e, por mais que tudo isso seja complicado pra nós, o caos que o persegue ainda me traz um sentimento de paz. Estar com ele é como me ver voltando no passado.

Mas, em alguns momentos, lembro que existem promessas que muitas pessoas não podem cumprir. E talvez parte das promessas do Bryan faça parte disso. Ainda me pergunto o que cada olhar dele fala, o que cada toque significa, mas cansei de procurar significado e sentido nas coisas que vem do Bryan. Ele é de outro rumo, tem outras ideias, e mudou. É inevitável mudar, e a única coisa que posso fazer é aceitar isso. Não me sinto culpada por sentir coisas que deveriam estar trancadas a sete chaves, adormecidas ou mortas, é um fardo que terei que carregar até superar. Eu nunca me culpo por sentir algo, faz parte, mas não posso me torturar com nada disso.

Eu o aceito. Eu aceito todos os demônios que ele carrega, todos os defeitos que ele odeia, a pior parte dele. Eu aceito tudo. Eu nunca me importaria de beijar cada cicatriz que o compõe, eu quero fazer isso. Eu quero que o Bryan entenda que, apesar de tudo, eu ainda quero acolher cada parte dele. Quero que ele entenda que merece ser amado, que aquele abandono que sofreu na infância pode ser ruim, mas ele ganhou uma família grande. Me ganhou, teve minha mãe como uma mãe pra ele por alguns anos, encontrou o Daniel que o protege de tudo com aquele jeito durão de ser e o Rodrigo que tem muito carinho e amor pra dar. O Sanchez que tem uma lealdade por ele que não se mede, e talvez ganhe mais alguns integrantes nessa família. Mas eu espero por ele. Não vou mais insistir, mas espero pelo momento que ele entender tudo que sinto e que tenho a oferecer. Quero que ele entenda e sinta que foi meu primeiro amor. E que, dez anos depois, continua sendo e eu não quero que isso mude. Isso não vai mudar.

Espero que um dia ele se resolva com os próprios sentimentos tanto quanto eu estou bem resolvida com os meus. Mas, agora, eu não pretendo ter nada com ele, nada que seja além do que posso ter. Nada que ultrapasse o meu limite, nada que me magoe. Não vou me iludir e realmente não tem motivos pra isso já que ele deixa claro as próprias intenções e é sempre sincero como sou com ele. Não vou alimentar algo que não existe e nem implorar a ele que fique comigo, muito pelo contrário, eu vou continuar com a mesma vida que tive antes dele voltar. Uma das minhas maiores e melhores qualidades — que convenhamos que todas são maiores e melhores, mas tem algumas que se destacam mais ainda — é conseguir me afastar ou esquecer facilmente as pessoas. Não falo isso da boca pra fora do jeito que muitos fazem, eu não esqueço da existência dela, só excluo da minha vida e sigo normalmente, sem martírio ou torturas. Eu não imploro, muito menos cobro alguém sobre algo, já que a minha intuição não falha, eu sempre a sigo. Se não quer ficar na minha vida, eu deixo ir ou me retiro, não gosto de me sentir obrigada a nada e odeio fazer com que as pessoas se sintam assim.

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