6. O furor

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Hoje cedo uma mulher bateu à minha porta dizendo que é minha babá. Contratada por Alexander.

Babá? Eu tenho 17 anos. Não preciso de babá.

Para não ser grosseira, tomei café com ela e sorri educadamente. Mas aquilo precisava acabar. Alexander precisava ouvir de mim que aquilo era ridículo.

— Você tem o número de Alexander? — perguntei.

Ela balançou a cabeça.

— Não, eu não tratei diretamente com ele. Foi o senhor Gutierre que intermediou.

Me lembrava desse nome. Alguém se apresentou para mim assim no dia do casamento.

— E o número de Gutierre? — insisti.

— Também não tenho.

Frustrada, peguei minha mochila e saí de casa cedo. O caminho era longo, mas sempre gostei de caminhar. Pelo menos isso eu ainda podia controlar.

O casamento me tornava "adulta", pelo que pesquisei. Uma emancipação, mas bem limitada, amarrada pelo contrato de forma que Alexander tivesse poderes sobre mim.

Estava muito magoada com tio Thales. Se ele não quisesse que eu fosse para um abrigo, poderia ter autorizado uma emancipação sem necessidade de casamento. Por que ele fez isso comigo?

Nos corredores da escola, cochichos e olhares debochados me acompanhavam, mas por mais que incomodassem, me forcei a ignorar.

No entanto, ficou impossível de ignorar no intervalo, quando estava entrando no banheiro e ouvi as vozes.

— Vocês podem falar o que quiser, mas não podem negar que a safada tem bom gosto. O homem é um gato! — uma garota dizia.

— Não acho que um homem bonito daqueles ia dar moral para a sem graça da Sofie — respondeu outra.

— Querida, a estagiária da secretaria disse que eles são casados. Ca-sa-dos!

Minha garganta fechou. Meus olhos arderam. Saí do banheiro às pressas. Ao virar uma quina, dei cara com alguém.

— Sofie?

Era Ícaro.

Ele franziu as sobrancelhas me olhando com preocupação, mas antes que pudesse falar algo, corri.

Yuri apareceu do nada, bloqueando meu caminho.

— Sofie a BV! — ele gritou. — Ou melhor, não tão BV assim, né?

Desviei dele e acelerei os passos.

— Qual a pressa, Sofie? — ele veio atrás, rindo. — Aposto que ontem à noite com o maridinho foi bem devagar, não?

Foi quando senti a mão dele apertando minha bunda.

Algo dentro de mim explodiu, uma fúria sem medidas que me fez perder o controle. Sem pensar, me virei de vez e acertei um soco no nariz de Yuri.

Doeu. Doeu muito. Encolhi minha mão dolorida junto ao peito com uma careta de dor e uma vontade quase incontrolável de chorar.

Quando vi o sangue de Yuri escorrendo como uma fonte, dei um grito. Ele estava com as mãos no nariz, assustado, atordoado, tentando parar o sangramento. Um círculo de alunos se formou em segundos.

Ao redor, olhares espantados, outros satisfeitos, gritos e vaias.

Fiquei em choque. Apavorada. Não acreditava no que tinha feito. Nunca me imaginei capaz de machucar alguém. Nem sabia que tinha força suficiente para quebrar um nariz.

Professores se envolveram rapidamente. Nós dois fomos levados para a enfermaria, depois para a diretora. Yuri com a camisa manchada de sangue e eu com a mão enfaixada.

Me senti péssima. Uma pessoa ruim. Queria pedir desculpas a Yuri, mas isso parecia fora de contexto.

A diretora nos olhou de maneira cansada, mesmo assim ouviu ambos os lados. Recebemos o sermão e ela nos deixou sob a supervisão da vice-diretora. Já era a segunda vez que eu estava ali, sabia o que vinha a seguir.

Estava tensa por ver Alexander, principalmente pela gravidade do que eu tinha feito. Mas, para minha surpresa, me senti... ansiosa? Bom, seria a chance de conversar sobre a babá.

— Você pode ir embora agora, Yuri. Sofie, você fica — a diretora disse ao retornar.

Ela se sentou diante de mim e me olhou com a conhecida expressão de piedade.

— Olha, Sofie, sei que você está passando por momentos difíceis, mas... — e o discurso seguiu com frases previsíveis que não se prenderam em minha mente.

Assenti ao final sem ter escutado realmente. Só conseguia pensar no momento de falar com Alexander.

Fiquei frustrada, no entanto, ao virar a quina da secretaria e ver um homem mais velho segurando minha mochila de borboletas. Reconheci ele. Era um dos advogados que se apresentou como Gutierre no dia do casamento.

— Olá, Sofie — disse com um sorriso educado. — Alexander me pediu para te levar para casa.

— Oi... por que ele não veio? — peguei a mochila de sua mão.

— Ele está numa reunião importante e não pôde sair.

— Pode me levar até ele?

Gutierre assentiu.

Na empresa, ele me deixou com um rapaz de gravata desproporcionalmente fina, que estava sentado atrás balcão ao lado de fora de uma porta cuja placa dizia: "Alexander Monteiro, Sócio Pleno".

— Esse é o secretário de Alexander, Sofie. Hugo, cuide para que Sofie entre na sala assim que a reunião acabar, ok? — disse Gutierre antes de apertar de leve meu ombro e sair.

Não entendi por que Hugo me encarava com olhos arregalados.

— A senhora não quer se sentar? — ele perguntou já saindo detrás do balcão e puxando sua própria cadeira para mim.

Senhora? Estranhei o tratamento. Mas, de fato, eu era uma mulher casada. Esse era o meu pronome de tratamento: senhora.

— Não precisa, muito obrigada — sorri em agradecimento pela gentileza.

Ele abriu a boca, mas foi interrompido por uma mulher de pernas longas e salto fino que se aproximou com um olhar desdenhoso.

— Quero falar com o senhor Monteiro assim que terminar a reunião. Pode colocar meu nome na agenda — ela apontou de qualquer jeito para as coisas dele na mesa atrás do balcão.

— Sinto muito, mas a senhora Sofie está na frente — Hugo respondeu e olhou para mim.

Os olhos altivos dela me mediram de cima a baixo.

— Meu assunto é mais importante para a empresa do que qualquer coisa que essa pirralha tenha a dizer.

Hugo abriu a boca, mas nesse instante a porta da sala de Alexander abriu. Um homem saiu com ele. Apertaram as mãos se despedindo. E foi nesse momento que Alexander me viu.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora