47. A ferida

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Alexander

O cursor piscando na tela era um lembrete de que eu precisava trabalhar, mas minha mente não parava de reviver o que aconteceu naquela sala há menos de uma hora.

Uma Sofie fria. Dura. Completamente indiferente.

A vontade de ir atrás dela era uma agulha perfurando minha consciência incessantemente. Mas precisava respeitar seu espaço após tê-la magoado de forma irreparável.

Só não dava para controlar o impulso obsessivo com o celular. Eu ligava. E ligava de novo. A linha permanecia morta.

Isso era pior do que quando ela recusava minhas ligações, porque pelo menos eu sabia que estava do outro lado. Agora, eu gritava no deserto surdo, esperando-a religar a droga do celular.

O dia passou em borrões com tentativas patéticas de focar no trabalho. O celular vibrava com notificações inúteis, e eu pegava compulsivamente, só para pensar: Claro que não é ela, seu idiota.

No fim do dia, minha cabeça latejava com uma enxaqueca que nada aliviava. Não aguentei. Fui até a casa dela. Ela não estava. E ali meu resto de sanidade escafedeu-se.

Voltar para casa impotente foi como descer ao inferno. Só que o inferno não tinha chamas. Era gelado. Vazio. Silencioso demais. Um inferno que eu mesmo criei. E merecia.

Passei a noite no sofá, tentando ligar, enviando mensagens sem respostas: Por favor, Sofie, só me diga que está bem. Que está viva.

Madrugada adentro preocupado. Arrependido. Frustrado. Culpado.

Quando o despertador tocou, eu tinha dormido, no máximo, uma hora. Gestos mecânicos me levaram ao trabalho, onde Hugo me recebeu com uma lista de reuniões.

— Cancele todas. Se alguém vier me procurar, diga que estou lá no terraço inaugurando o tobogã para a piscina de óleo fervendo.

Mas às dez ele apareceu, acuado, com papéis na mão.

— Senhor, sei que não quer ser incomodado, mas...

— Fala de uma vez.

Ele hesitou.

— São os papéis do divórcio.

Naquele momento, tive a minha primeira experiência de parada cardíaca.

Levantei tão rápido que a cadeira correu para trás com força, arranhando o chão. Peguei o paletó e arranquei os papéis da mão dele.

No elevador, olhei para o maldito documento. Lá estava a assinatura dela. Clara, limpa, rápida. Como se estivesse com pressa de se livrar de mim. Nada do traço cuidadoso, lento e escuro do dia em que casou comigo.

Mas se ela achava que eu ia assinar aquilo, só podia estar louca.

Dirigi como um louco.

Toquei a campainha. Ela abriu. Meu coração parou pela segunda vez: um baby-doll rosa, curto demais, sensual demais.

Ela revirou os olhos e bateu a porta na minha cara.

Usei minha chave porque minha dignidade era o menor dos problemas.

Ela caminhava em direção ao sofá, e eu a segui, tentando ignorar a visão dela de costas que era uma verdadeira armadilha do diabo.

Sofie se sentou cruzando as pernas com tranquilidade. Abriu o esmalte e começou a pintar as unhas de vermelho, ignorando completamente a minha presença. O cheiro de solvente impregnou a sala.

— O que é isto, Sofie? — perguntei, erguendo os papéis.

— Você pulou a alfabetização? — respondeu, sarcástica, sem se dignar a olhar.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora