50. O julgamento

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O teto da beliche ainda girava acima de mim, mas não tanto quanto horas atrás, quando me colocaram nesta cela.

Eu já não via tudo em dobro como antes. À medida que o efeito do álcool diminuía, a angústia da vergonha aumentava.

Era isso. Eu estava atrás das grades. Fichada pela polícia. Nunca mais teria um futuro.

Não foi isso que meus pais sonharam para mim quando me geraram com todo amor, me pegaram nos braços, escolheram meu nome e me deram afeto incondicional.

Tio Thales tampouco imaginava que a garota órfã que ele se sacrificou para criar, abrindo mão de sua privacidade de morar sozinho e dedicando seu tempo livre para fazer companhia a ela, se transformaria no tipo de pessoa que vai para a cadeia.

Já Alexander... não se importaria. Parou de se importar completamente depois do que fiz com ele. Então me deixaria aqui, presa.

Eu ia mofar na cadeia para sempre.

— Você está liberada — a voz grossa de uma policial feminina cortou o ar.

Me sentei rápido demais e o planeta balançou, mas nada perto do terremoto que meu mundo sofreu ao me deparar com olhos azuis.

Alexander, do outro lado das grades, esperando a policial destrancar.

Meu estômago gelou. Veio uma vontade súbita de vomitar. Mas aquilo já estava humilhante demais, então fechei os olhos e respirei fundo, com a mão no peito. O chão frio se abria sob meus pés descalços. Os saltos ficaram no meu carro, e nem queria pensar no que aconteceria com ele.

Quando abri os olhos novamente, encontrei Alexander parado diante de mim. O rosto sério em uma expressão enigmática.

Sem dizer uma palavra, ele me ajudou a levantar. Também foi meu suporte para andar, segurando firme minha cintura. Eu estava tonta.

Fiquei grata pelo calor de seu corpo aquecendo o frio do meu. Mas o gelo dentro de mim, esse não derreteria.

Caminhamos devagar e em silêncio por aquele corredor de grades onde meu fracasso como pessoa fazia eco. Perto da sala inicial, onde registraram o boletim de ocorrência, avistei Gutierre conversando com o delegado de plantão. O relógio na parede marcava três da madrugada. Na porta, dois policiais com armas na cintura olhavam para fora.

Guilhermo surgiu das cadeiras de espera.

— Sofie... — ele veio depressa em minha direção, com as sobrancelhas franzidas em uma expressão de sofrimento e culpa.

Ele estendeu as mãos para tocar em mim, mas Alexander o bloqueou cravando a mão dura em seu peito. Guilhermo parou com um solavanco.

— Tira essa mão de mim! — esbravejou empurrando o braço de Alexander com força.

Os policiais se enrijeceram.

Gutierre se enfiou no meio.

— Rapazes, não é hora para isso — disse em tom apaziguador, mas muito firme. Depois olhou para Alexander. — Alex, eu cuido de tudo aqui. E Sofie — ele me dirigiu um olhar de preocupação paternal, suavizando a voz —, fique bem.

Não fui capaz de responder. O nó na garganta não deixaria nada passar.

Alexander me conduziu até o carro. Abriu a porta para mim e afivelou meu cinto. Dirigiu em silêncio.

Com apenas o ronco do motor preenchendo o espaço não verbal, encostei a cabeça no vidro e absorvi o verde escuro passando por nós na estrada vazia e fria. A cidade inteira dormia. E eu, saindo de uma delegacia.

Alexander devia estar me julgando, pensando as piores coisas de mim. Ele já acreditava que eu tinha ido para cama com Guilhermo. Depois veio minha crueldade de jogar na cara dele um assunto que lhe doía profundamente. E agora, presa por dirigir embriagada.

Se ele não me achava boa o bastante para ele antes, agora provavelmente me via como um lixo — que era como eu me sentia.

Vagamente notei ele fazer um caminho diferente, mas não tinha condições de raciocinar o motivo.

As pálpebras pesaram algumas vezes, meus sentidos indo e voltando. De repente, meus olhos se abriram de vez com a redução da velocidade. Alexander manobrou ao mesmo tempo em que um portão imenso se abria automaticamente. O carro seguiu por um caminho de pedras entremeado por grama aparada, luminárias de jardim acendendo o caminho.

Alguns metros à frente, uma casa imponente com fachada de mansão de filme roubou meu foco. Meu coração, agitado e confuso, tentava entender o que estava acontecendo. Mas minha mente cansada só aceitava.

Alexander parou na frente da casa, abriu a porta do carro para mim e me ajudou a subir os degraus de uma varanda que se perdeu em detalhes quando vi a porta alta demais. Ele destrancou e entrou comigo.

A sala, imensa e elegante em piso luminoso, nos recebeu com um lustre no teto e sofás tão grandes que meu corpo se perderia neles. Seguimos em frente, nossos passos ecoando nas paredes altas, e quando avistei um piano de cauda preto perto de uma janela ampla que dava vista para o jardim noturno, finalmente entendi: era a casa de Alexander.

Ele me conduziu por um corredor, abriu uma porta e entrou comigo. Ligou a luz, e enxerguei uma cama larga no centro de um quarto com decoração sem muita personalidade. Quando paramos perto da cama não precisei de muito esforço para entender que deveria me deitar. Sentei devagar, Alexander me ajudou a levantar as pernas e deitá-las no colchão.

Reclinei lentamente. O travesseiro macio acomodou minha cabeça tão confortavelmente que podia jurar que era de plumas. Mas minha mente pesava como um saco de pedras afundando no rio. Ele ajeitou um cobertor quentinho sobre mim e saiu, desligando a luz.

Magoado comigo, me achando um lixo e, ainda assim, cuidando de mim. Acho que, num casamento de verdade, é isso que um marido faria.

Meu corpo, mente e alma exaustos, me entreguei ao sono pesado. Parte de mim desejando acordar desse pesadelo. Outra parte, desejando não acordar nunca mais.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora