59. O menino

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Enfim, casa.

Meus passos lentos seguiram Alexander até o quarto. Ele carregava nossas malas enquanto eu lutava contra o cansaço que pesava nas pálpebras. Mal conseguia enxergar suas costas.

O voo sofreu muita turbulência, e mesmo com ele escondendo minha cabeça em seu peito e cobrindo meu ouvido para me proteger do barulho, o sono veio em fragmentos inquietos.

Alexander abriu a porta do quarto e me deu passagem. Fui direto para a cama e me joguei de braços abertos.

O som das rodinhas das malas cessou num canto. Senti ele tirando minhas botas. Depois ajustou meu corpo na cama e me cobriu com o lençol. Logo escutei o ruído distante do ar-condicionado.

Fechei os olhos por um segundo, ou pelo menos foi o que pareceu. Senti o calor de um beijo em minha testa e vi Alexander arrumado, cheiroso e com os cabelos úmidos do banho, pronto para sair.

— Você não vai dormir? — minha voz saiu arrastada, presa na sonolência.

— Preciso trabalhar.

Ele devia ter chegado ontem, dia dois, mas prolongou a viagem por minha causa. Agora estava com trabalho acumulado.

— Mas você acabou de chegar de viagem... tá cansado — reclamei.

Ele gentilmente afastou uma mecha de cabelo que caiu sobre meu rosto.

— Não se preocupe comigo. Durma — o tom era de uma ordem, mas em seus olhos havia a suavidade de um pedido.

Sem forças, obedeci.

Acordei por volta de duas da tarde. Meu celular estava com 5% e havia uma mensagem de Alexander. Depois de revirar a mala me dei conta de que esqueci o carregador no hotel.

Respondi a mensagem dele depressa avisando que ficaria incomunicável. Com 1% de bateria, chegou sua resposta:

"Tem um carregador no escritório"

O escritório parecia mais uma extensão de sua personalidade: organizado, prático, minimalista. Uma mesa grande no centro, um MacBook acompanhado de duas telas grandes. Muitos livros na estante, assuntos empresariais, financeiros, econômicos e políticos. Mas o que chamou minha atenção foram os títulos em idiomas diversos.

Lembrei de quando perguntei quantos idiomas ele falava e ele respondeu com modéstia que sabia apenas o suficiente para se comunicar com clientes em suas respectivas línguas. O lado modesto de Alexander era encantador.

Por outro lado, quanto mais eu o conhecia, mais tinha certeza de que sua vida sempre se resumiu a estudo e trabalho. Ele nunca se deu ao luxo de viver.

Busquei pelo carregador nas gavetas. Na terceira, encontrei algo que me fez parar.

Peguei a fotografia com um cuidado reverente. Um homem de traços familiares e uma mulher de olhos intensamente azuis, ambos sorridentes. No meio deles, um garotinho com cabelos vastos caindo sobre a testa, seu sorriso era o mais puro e encantador do mundo — Alexander.

Passei o dedo por seu rostinho, sorrindo para o garoto dos olhos azuis. Ele era idêntico àquele que imaginei existir dentro de mim.

Não havia dúvidas de que esses eram seus pais biológicos. Os dois eram muito bonitos, e fizeram um menino perfeito. Pareciam uma família feliz.

Com um suspiro sentido, coloquei a foto de volta. Foi quando vi o que havia embaixo: uma folha de papel, desgastada, como se tivesse sido amassada e desamassada mais de uma vez. Caligrafia trêmula. Meus olhos, sem querer, correram até a última linha separada do texto:

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora