54. A conchinha

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Alexander

Despertei com um cheiro de flor próximo demais e algo incrivelmente macio sob meus dedos.

Abri os olhos devagar e me deparei com um emaranhado de cabelos escuros. Meu nariz estava literalmente mergulhado nele, e meu braço envolvia uma cintura fina que, para minha total perplexidade, pertencia a Sofie.

Por dentro, o choque daquela cena me atravessou como um raio. Por fora, não consegui nem piscar.

Quando, exatamente, eu a abracei?

Meu cérebro ordenou o afastamento imediato; meu corpo, porém, recusou-se a obedecer.

A pele macia e quente estava em contato direto com meus dedos tocando sua barriga. Embaixo dos lençóis, o corpo dela se moldava ao meu num encaixe perfeito. Principalmente...

Limites.

Me afastei devagar, com cuidado para não acordá-la. Ela dormia tão doce que tive vontade de ficar um segundo a mais para assistir. Nada daquela expressão angustiada que vi na madrugada. Ela estava em paz.

Por que parecia tão certo tê-la ali, dormindo em minha cama?

Provavelmente pelo peso do nosso status de "casados". Ainda era difícil acreditar que Sofie e eu estávamos em uma situação matrimonial. Thales só podia ter minhocas na cabeça.

Saí da cama sem fazer movimentos bruscos. Quando voltei do banho, ela ainda dormia serenamente. O lençol havia deslizado, deixando-a mal coberta. O problema é que agora estava de bruços, com uma perna dobrada, uma posição que arrebitava a...

Limites. Limites.

Desviei os olhos depressa e entrei no armário. Movi-me no piloto automático enquanto escolhia as roupas, enumerando compromissos do dia como se isso pudesse apagar aquela imagem da minha mente.

Nem mesmo sei o que vesti, só deslizei a porta do armário e saí dele determinado a escapar do quarto sem olhar para a cama.

Quando segurei a maçaneta, porém, lembrei que não podia deixá-la mal coberta. Ela sentiria frio.

Fui até a cama sem olhar diretamente, em respeito à privacidade dela. Cobri-a com cuidado. Ela suspirou, relaxando ainda mais o semblante. Nos lábios, um pequeno sorriso inconsciente se formou. Isso, estranhamente, preencheu algo dentro de mim.

Na cozinha, deparei-me com uma miniatura de árvore natalina sobre a mesa. O que significava? Sofie estava começando a se sentir em casa? Aquilo era um tipo de abertura?

Na garagem, ver o carro dela tinha um efeito estranho. Mas bom.

No escritório, três funcionários já me esperavam na porta. Todos pedindo autorização para prolongar o feriado.

— Tenho cara de Papai Noel? — retruquei, concentrado no celular.

Aquele e-mail sobre uma crise com um cliente internacional, cuja reunião estava marcada para 23 de dezembro, era preocupante.

Sempre assumi viagens que ninguém estava disposto, por comprometer datas comemorativas. Nunca me incomodei com isso.

Mas agora... Como poderia deixar Sofie sozinha?

Natal era apenas mais um feriado como qualquer outro para mim. Mas para ela, devia evocar memórias de Thales. Sei que comemoravam porque todo ano ele inutilmente insistia pela minha presença em sua casa.

Respirei fundo e segui rumo à minha sala.

— Hugo, se o conselho pedir para eu participar do almoço de confraternização, diz que estou no Alaska dando um curso intensivo de liderança para as renas do Papai Noel.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora