Posso não ter sido capaz de segurar as lágrimas ao sair do prédio, mas não aceitaria a derrota.
Precisava retomar o controle da minha vida, não podia deixar meu futuro nas mãos de Alexander.
Depois de andar sem rumo por alguns minutos, decidi. Procurei o endereço na internet, enxuguei o nariz na manga e fui direto para o escritório de Gutierre.
O ar-condicionado gelado me recebeu ao atravessar as portas de vidro, mas o casaco me protegeu do frio. Queria que algo fizesse o mesmo pelo meu coração sempre que eu recebesse um olhar ártico de Alexander.
Sob os olhares das pessoas na sala de espera, apertei as alças da mochila e fui até o balcão. A recepcionista explicou que Gutierre só atendia casos pro bono dia de hoje e, se fosse o meu caso, bastava assinar a lista para receber o atendimento gratuito. Assinei e ela pediu que eu aguardasse, pois ele estava fora para o almoço.
Me sentei em um canto recuado. Cerca de meia hora depois, Gutierre apareceu, simpático, cumprimentando as pessoas. Então me viu.
— Sofie? — ele sorriu caloroso, vindo em minha direção. — Que surpresa boa! Vamos até minha sala.
Fiquei grata por não precisar explicar nada na frente das pessoas as quais eu estava furando fila.
A sala de Gutierre em nada lembrava a de Alexander. Reparei na estátua na mesa segurando uma balança, na pintura renascentista na parede, na estante de livros grossos e nos porta-retratos com fotos de Gutierre com uma mulher e uma garotinha.
Ele gentilmente puxou a cadeira para mim, depois contornou a mesa e se sentou.
— Como vão as coisas, Sofie? — Gutierre me olhou com atenção, diferente de Alexander, sempre dividido entre o computador e o telefone, onde eu era a última prioridade.
— Vão bem... — menti. — Preciso de uma cópia da certidão de casamento.
Me arrependi por ser tão abrupta. Foi um reflexo da voz de Alexander: "seja objetiva".
— Claro, mas posso perguntar por quê?
Respirei fundo.
— Para provar ao cursinho que posso assinar os documentos de matrícula — curvei os ombros, derrotada.
— Vou garantir que uma cópia chegue em sua casa ainda hoje. — Ele uniu as mãos sobre a mesa e me observou atentamente. — Mas parece que tem algo mais lhe incomodando, Sofie.
Seu olhar era de alguém que se importa, alguém disposto a ouvir e ajudar. Naquele momento de vulnerabilidade, eu precisava disso, então acabei soltando:
— Não queria que eles soubessem que sou casada e correr o risco disso vazar, como vazou da secretaria da escola. Escolhi o cursinho Mileto justamente porque meus colegas não estarão lá. Só queria ser eu, sem o julgamento por ser casada aos 17. Ainda mais em um casamento que... não é de verdade.
Assim que terminei, meu rosto esquentou, envergonhada por despejar minhas frustrações em um advogado com assuntos mais importantes.
— Entendo, Sofie. Você precisa de um ambiente em que se sinta à vontade. O período do vestibular já traz pressão suficiente. — Ele se inclinou, os olhos cheios de compreensão. — Mas por que não pedir a Alexander para assinar? Ele apenas precisaria declarar que é o seu responsável.
A lembrança dos olhos azuis frios fez meus ombros tensionarem.
— Eu tentei, mas... — engoli o nó na garganta. — Ele não teve paciência comigo. Nunca tem.
Gutierre respirou fundo.
— Veja, Sofie, Alexander tem esse jeito difícil, mas no fundo ele tem um bom coração. Há um lado que ele tenta ocultar, mas está lá. Você só precisa chegar mais perto para enxergá-lo.
— Para isso, ele teria que me deixar chegar perto — suspirei.
Ele olhou para longe por um momento, refletindo.
— Alex teve muitas perdas, assim como você. Mas ele não teve um Thales quando perdeu tudo. Seja paciente. No final, há sempre uma recompensa após a peleja.
Ainda não havia pensado nisso, mas agora me perguntava: Quem cuidou de Alexander quando seus pais morreram?
— Você o conhece há quanto tempo? — perguntei.
— Tempo suficiente para vê-lo se transformar no homem que é hoje.
O sorriso evasivo e a resposta vaga me deixaram ainda mais intrigada. Qual foi o papel de Gutierre na vida de Alexander?
Minha barriga roncou, um aviso de que tinha que ir. Peguei minha mochila aos pés da cadeira e me levantei.
— Já vou... Não quero atrapalhar mais.
— Você não atrapalhou, Sofie — ele me acompanhou até a porta e tirou um cartão do paletó. — Aqui está meu número. Sempre que precisar, sabe onde me encontrar.
A caminho de casa, sentia orgulho por ter resolvido o problema, mas algo pesava em meu coração. O que teria me acontecido se eu não tivesse tio Thales quando meus pais se foram?
E o que aconteceu com Alexander?
Após uma tarde lutando para me concentrar no livro de geografia, enquanto meus pensamentos vagavam sobre quando tio Thales e Alexander se tornaram melhores amigos, um entregador chegou com um envelope.
Eu não tinha coração de gelo como Alexander, então ver a certidão de casamento, nossos nomes juntos... me afetou.
Minha mente foi invadida por imagens de um marido de olhos azuis chegando em casa e sendo recebido por um beijo meu...
Sacudi a cabeça e me concentrei no meu objetivo: ir ao cursinho.
— Oi, vim completar minha matrícula — anunciei à recepcionista, tentando parecer firme.
— Olá. Seu nome?
— Sofie Avelar Francis — minha voz vacilou, era a certidão de casamento pesando como pedra na mochila. Não queria entregar para ela uma pedra que mais tarde poderia me atingir.
Ela digitou rapidamente no teclado.
— Tudo certo. Aqui está seu cartão de acesso, o primeiro módulo e a camiseta — disse, retirando os itens debaixo do balcão.
Franzi a testa, confusa.
— Mas... falta a assinatura e o pagamento.
— Foi assinado e pago pelo seu responsável — ela sorriu educadamente.
Meu coração palpitou.
— Posso ver a assinatura? Só para conferir se está tudo certo...
Ela franziu a testa, mas pegou o documento de uma pasta na gaveta de arquivos e me entregou.
Meus olhos percorreram o papel até a assinatura. E lá estava ela. A caligrafia inconfundível.
Alexander veio.
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Meu marido indesejado
Teen Fiction"Você está na escola, certo? Deve saber o mínimo de interpretação para entender que isso não é um casamento. É um contrato. Um mero pedaço de papel cujo único objetivo é impedir que você vá para um abrigo. Você assina essa porcaria, e cada um segue...