39. O desejo

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Pela primeira vez na vida, eu estava sozinha na noite do meu aniversário.

O silêncio ecoava em todos os cômodos. Deitada no sofá, fechei os olhos e pensei com carinho nos aniversários anteriores.

Primeiro, com meus pais, que me tratavam como a princesinha deles. Depois, com tio Thales, que me fazia rir até doer a barriga. Essas memórias agora eram como fotos antigas — belas, únicas, porém intocáveis, pertencentes a um tempo que não voltaria jamais.

Não haveria mais meus pais. Nem tio Thales. Nunca mais.

Abri os olhos e encarei o teto, tentando conter as lágrimas de saudade que ameaçavam transbordar. Ser forte era uma obrigação, afinal, eu era oficialmente adulta. Deveria ser capaz de lidar com as dores da vida sozinha.

O dia foi bom. Almocei na casa de Gutierre e eles me surpreenderam com um bolo de aniversário. Cantaram parabéns, me abraçaram, e me senti acolhida.

Rosa, mesmo sem poder sair do trabalho, ligou e me enviou um presente, um vestido preto justo e curto com um bilhete: "O que é bonito tem que ser mostrado". Ri com ela ao telefone, embora eu duvidasse que teria coragem de vestir algo tão ousado.

Mas a noite chegou e, com ela, o vazio. E os vazios, eu bem sabia, eram perigosos, pois faziam minha mente buscar aquele que eu tentava esquecer.

Obviamente, não recebi sequer uma mensagem de parabéns dele. Nem esperei receber, mas a falta de expectativa é um peso em si mesma.

Ele estava adorando o distanciamento que eu impus. Menos trabalho para lidar com uma pessoa que nunca passou de um inconveniente em sua agenda.

Alexander seguiu a vida sem me procurar nenhuma vez. É por isso que não considerei que fosse ele tocando a campainha.

Mas era.

Meu coração ingrato parou e disparou ao encontrar aqueles olhos tão azuis.

Toda a saudade reprimida veio de uma vez, me desestabilizando. Precisei de um esforço sobre-humano para me manter firme.

Os olhos dele percorreram o meu corpo, então lembrei: estava usando sua camisa. Meu rosto esquentou.

Às vezes eu usava para dormir, só porque era confortável. Não tinha a ver com ele. Não muito.

Cruzei os braços em uma tentativa inútil de cobrir a camisa.

— O que faz aqui? — perguntei, tentando soar indiferente para anular minha vulnerabilidade.

— Ninguém merece passar o aniversário sozinho — disse já entrando, antes que eu pudesse decidir se o queria ali.

Ele caminhou até o sofá e se sentou com a familiaridade de quem já conhecia cada canto da minha vida.

Não tinha coragem — muito menos vontade — de mandá-lo embora, então me sentei também, em um ponto seguro entre a proximidade e a distância.

A camisa servia como um vestido, mas se encolheu um pouco quando sentei, deixando minhas coxas mais à mostra do que deveria. Mas isso não o afetou; seus olhos estavam fixos nos meus, como se procurassem algo.

Ficamos nos olhando por alguns segundos. Eu poderia olhá-lo para sempre.

— Como foi o dia? — perguntou, assim, como se fosse natural vindo de alguém que não se importa comigo.

— Bem — soou mais frio do que eu pretendia, ainda não tinha aprendido a dosar.

— Só isso? É seu aniversário de dezoito anos.

Ele me encarava seriamente, e eu percebi que não estava tão imune a ele quanto acreditava. Alexander ainda me deixava nervosa, se eu não tivesse cuidado, em segundos me colocaria novamente na posição de intimidada.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora