21. O beijo

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Gutierre sugeriu que eu tirasse o resto da semana para descansar do desgaste emocional, quando me visitou ontem à noite trazendo uma torta de limão feita por sua esposa. Mas eu não queria faltar aula.

Tinha medo de sofrer mais humilhação, mas meu compromisso com os estudos era maior.

Meus pais ficariam orgulhosos se soubessem que mantive minha frequência absoluta.

Além do mais, hoje tinha aula de matemática, que eu amava. Todos amariam também se tivessem tido um professor como meu pai.

Ao segurar a maçaneta, hesitei, imaginando minha chegada na escola com todos gritando: "Sofie, a esposa de mentirinha!"

Preferia mil vezes ser conhecida como casada aos 17 do que vista como tão indesejável que só num casamento falso teria alguém. Era insuportavelmente humilhante.

Quis desistir, mas respirei fundo, lembrei que o recesso escolar estava a poucos dias, e girei a maçaneta. Ainda bem que respirei, porque ao abrir a porta, esqueci como se fazia.

Meu coração acelerou. Por um segundo, congelei.

Alexander estava encostado no carro, braços cruzados, usando uma camisa branca de botões e calça preta. Sem paletó e gravata, ele até parecia mais acessível. Parecia... Alex.

Ele me olhava diretamente. Sério, mas não frio. Pelo menos não a essa distância.

Ao fechar a porta, o nervosismo fez me atrapalhar com a chave misteriosa — uma que apareceu no meu chaveiro pouco antes de tio Thales partir.

Apertei as alças da mochila e caminhei até Alexander. Ele abriu a porta, mas permaneci parada, confusa.

— Entra — disse, me encarando com aqueles olhos azuis da cor do céu atrás de si.

Os cabelos estavam levemente úmidos, e o sutil aroma fresco e amadeirado lembrava loção pós-barba.

— Eu tenho que ir para a escola... — falei, incerta.

— Eu sei.

Diante daquele olhar firme, não havia possibilidade de contestação, eu tampouco teria forças para tal, então entrei.

Alexander entrou e, no espaço fechado, seu cheiro inquietou algo dentro de mim.

Ele dirigiu em silêncio, mas minha mente estava uma bagunça. Para onde estava me levando? O que mudou entre nós? Ele me via diferente agora? Minhas perguntas foram parcialmente respondidas quando ele parou em frente à escola, mas outras surgiram quando segurei a maçaneta.

— Não abra — ordenou, obedeci.

Alexander contornou o carro, abriu a porta e estendeu a mão.

Então entendi: estava sonhando.

Era só mais um daqueles sonhos malucos em que Alexander era gentil comigo.

Certa de que acordaria em breve, aceitei sua mão.

O calor da mão dele provocou um reboliço interno.

Alexander pegou minha mochila e, simples assim, envolveu minha cintura com o braço, me conduzindo calmamente.

Havia plateia, muita.

Mas eu só conseguia prestar atenção naquela mão em minha cintura.

No portão, ele parou de frente para mim e olhou nos meus olhos. Essa seria a parte em que eu acordava, mas o sonho continuou:

Alexander gentilmente segurou um lado do meu rosto, sua mão quente e acolhedora.

Ele se aproximou, trazendo o cheiro amadeirado consigo, até que seus lábios macios tocaram minha bochecha num beijo suave.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora