16. O dinheiro

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Alexander demitiu Rosa.

Durante o almoço de segunda-feira ela contou que era seu último dia. Perdi a fome.

Estava acostumada com a companhia dela, e ele a mandou embora sem me consultar. Alexander decidia a minha vida como bem quisesse.

— Sempre que precisar de mim, pode me ligar. Somos amigas — Rosa me envolveu em um abraço caloroso. Tentei sorrir, mas estava triste demais.

Nosso último momento foi quando ela me deixou no cursinho.

O início do pré-vestibular foi o assunto na minha turma naquela manhã. O único que não mencionaram foi o Mileto, e eu demorei a fazer a matrícula justamente para saber em qual cursinho eles não estariam. Era a minha chance de recomeçar sem que soubessem dos meus apelidos e do casamento aos 17.

No entanto, esbarrei em burocracia.

— Não posso levar para o meu responsável? — perguntei.

— Não, ele precisa vir pessoalmente assinar.

Diferentemente da escola — que não permitia que menores de 18 fossem responsáveis por si mesmos —, como mulher casada eu podia assinar aquele contrato.

Mas precisaria da certidão de casamento, que não recebi — tampouco queria usar ali.

Outra questão era a taxa de matrícula, que excedia o que restava na minha conta após comprar um vestido azul.

Tudo isso foi ontem. Hoje, na sala, o assunto foi o primeiro dia de cursinho. Não podia perder mais um dia, por isso vim direto da escola para o escritório.

Estava nervosa. Como seria nossa primeira interação após a noite que atuamos como um casal?

Esperava olhares dos funcionários, já que apareci com Alexander no evento da empresa, mas passei despercebida, como sempre.

O casaco cinza do uniforme me fazia parecer ainda menor. Mais fácil acharem que eu era a filha de um desses engravatados do que a esposa.

— Ele está com um cliente, assim que terminar, você entra — disse Hugo, após me receber com um sorriso gentil.

— Quero falar com o senhor Monteiro. — Era ela, a pernas cumpridas.

— A senhora Sofie está na frente — Hugo respondeu de cara fechada.

Ela me olhou torto.

— Meu querido, quando você vai aprender que os assuntos da empresa são mais importantes do que pirralhices?

Neste momento, Alexander apareceu se despedindo de um homem. Hugo sequer teve tempo de sair em minha defesa; ela disparou rapidamente.

— Senhor Monteiro, preciso falar sobre a Milano.

E eu sobre o Mileto. Mas meu cursinho não seria prioridade diante de assunto de trabalho. Afinal, Alexander já passou do período de vestibular há anos.

Ele olhou para mim. Meu estômago congelou.

— Espere um pouco. Isso é urgente — disse e entrou com ela.

Hugo fez uma linha fina com a boca, lamentando. Mas eu só conseguia pensar em uma coisa: ele me deu uma explicação.

O Alexander que eu conhecia não se daria ao trabalho de explicar nada. Será que ele me enxergava diferente agora? Talvez demitiu Rosa porque já não me via como criança. Uma fagulha de esperança se acendeu.

Minutos depois, a porta se abriu e ela saiu; ao passar por mim, me encarou limpando o canto da boca.

O que aconteceu naquela sala?

— Você vem ou não? — a voz de Alexander me fez desviar o olhar dela, mas ele já tinha se virado.

Fui atrás com o rosto quente. Não tinha direito de sentir ciúmes, mas era difícil ignorar que ele era meu marido.

Entrei, me sentei. Ele se recostou na cadeira e me encarou.

Aquele olhar azul tão direto fez minhas mãos suarem de nervosismo. Não dava para pedir dinheiro olhando naqueles olhos. Desviei para sua gravata cinza.

— Eu... bom... é que...

— Seja objetiva.

Engoli em seco.

— Preciso de dinheiro.

Esperei um questionamento, mas ele apenas pegou o celular e começou a usá-lo. O ato de me ignorar no meio de uma conversa tão importante foi um golpe silencioso.

Me senti minúscula. Estava me humilhando pedindo o meu dinheiro e ainda recebia esse tratamento. O que eu deveria fazer agora? Chamar sua atenção? Ficar parada feito idiota enquanto ele mexia no celular?

A raiva e a vergonha fizeram minhas mãos tremerem. Queria gritar. Berrar que, há três noites, ele me usou para fechar um negócio, e agora não tinha a decência de me dar atenção quando eu pedia algo tão básico.

Senti o celular vibrar na mochila e o peguei em uma tentativa desesperada de fingir estar ocupada também. Foi quando vi a notificação do banco:

Transferência recebida de Alexander De Luca Monteiro.

Meu coração disparou.

Alexander não pegou o celular para me ignorar de forma rude. Pegou para me mandar dinheiro... da própria conta dele.

Não só isso: era o valor que eu recebia no início do mês, mas já estávamos na metade. Ele reiniciou o meu mês financeiro. Com o próprio dinheiro dele.

Levantei os olhos, pronta para agradecer, ou talvez protestar, mas ele já estava focado no computador. Não haveria espaço para conversa, e eu não tinha forças para debater com ele. Então decidi aceitar o gesto, mesmo frio, de generosidade.

Mas havia outras questões.

— Você dispensou Rosa — comecei baixinho.

Alexander me olhou inexpressivamente, esperando que eu esclarecesse de quem estava falando.

— A babá — expliquei.

— Não era o que você queria?

Sim, queria. Mas não assim. Antes que eu pudesse formular uma resposta, o telefone tocou na mesa. Ele atendeu.

Me senti invisível. Todo o respeito que ele fingiu ter por mim naquela noite... agora era como se eu fosse nada. Atuamos no papel de casados, em algum momento ele me viu como esposa. Quão coração de gelo poderia ser uma pessoa para não se afetar com aquilo?

Como ele conseguia ser tão indiferente quando passei as últimas noites adormecendo com o cheiro do seu perfume na mente?

Era como se, para ele, nunca tivéssemos nos tocado, nos abraçado, nos olhado.

Ele murmurou uma resposta irritada e desligou o telefone, então olhou para mim.

— Você tem mais alguma coisa para falar?

Me encolhi sob seu tom cortante e o olhar impaciente. Doeu. Muito. Tinha que falar sobre a matrícula, mas estava tão abalada que sequer consegui me mover.

Ele fechou os olhos por um segundo e soltou um suspiro de cansaço.

— Olha, Sofie, estou tendo um dia difícil e não quero descontar em você. Então, se não tiver mais nada a dizer, preciso voltar ao trabalho.

O nó na garganta ficou insuportável. Eu ia chorar ali mesmo. Precisei usar toda a minha força para engolir a mágoa.

— Isso é tudo — sussurrei, fraca, e me levantei.

Novamente, veio o impulso de bater a porta com força, mas eu não era assim. Era a menina boa. Sempre gentil. Sempre grata.

E essa parte de mim estava me sufocando.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora