24. A decisão

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Alexander

Sofie estava muito abalada ao sair do cemitério. Não seria certo simplesmente deixá-la em casa. Decidi entrar. Ficar um tempo com ela até que se estabilizasse era o que Thales gostaria que eu fizesse.

Mas estar naquela casa me trazia memórias indigestas.

Thales e eu passávamos muito tempo juntos em viagens a trabalho. As vezes em que estive naquela casa foram poucas, e nunca a tinha visto lá. Sempre soube que ele tinha uma sobrinha, mas ela não era tema das nossas conversas. Mesmo assim, eu sabia o quanto ela era importante para ele.

Agora, sentado naquele sofá, observando seus olhos castanhos cheios de dor e luto, minha própria batalha interna contra o sofrimento ficou ainda mais difícil.

Quando o sofrimento dela transbordou em lágrimas escorrendo por suas bochechas, algo dentro de mim reagiu. Abracei-a sem pensar duas vezes.

Abraçá-la foi um instinto que não pude — e nem quis — impedir.

Senti o calor dela contra o meu corpo e isso foi um choque. Era uma sensação estranha, quase desconfortável, mas boa. O que era aquilo?

Felizmente o abraço era um espaço seguro para ela, e ela confiou em mim para ceder à tempestade emocional.

Por que era tão incômodo vê-la chorar? Eu não era nada dela, além de um marido por conveniência. Aquilo não deveria me afetar.

Sofie possuía uma vulnerabilidade que me incomodava. Mas a sensação dela em meus braços, a maneira como seus tremores diminuíam lentamente, como se minha presença oferecesse algum conforto, era estranhamente recompensador.

O cheiro suave do cabelo dela trouxe uma familiaridade inesperada. Já tinha sentido esse cheiro, nas outras vezes em que estivemos tão próximos.

De repente o que era apenas um instinto de proteger se tornou algo mais profundo. Meus braços a envolveram com mais força, e eu me vi abraçando não apenas a sobrinha de Thales, mas uma pessoa ligada a mim.

Escutei seu choro abafado em meu peito por longos minutos até que a respiração começou a ficar mais lenta. Aos poucos, o choro foi se transformando em suspiros. Até que, enfim, sua respiração ficou profunda e ritmada.

Ela adormeceu.

Olhei para o teto incapaz de me mover. Meu corpo pedia para ir embora, minha mente gritava que eu deveria sair dali. Mas uma parte de mim não conseguia deixá-la sozinha, tão vulnerável.

Não era só o que Thales gostaria que eu fizesse, eu sabia que era o que eu precisava fazer. Então fiquei um pouco mais.

Por alguns minutos, permaneci sentado com ela nos braços, sentindo o peso de tudo. A perda de Thales, a responsabilidade que ele tinha me deixado. Olhei para Sofie dormindo serenamente, agarrada a mim como se eu fosse tudo o que ela tinha.

Sabia que não podia fugir disso para sempre. Ela precisava de mim. Thales confiava que eu não a deixaria desamparada. E naquele momento, essa responsabilidade finalmente parecia clara. Eu tinha que estar ali. Por ele. Eu devia isso a ele, a tudo o que fez por mim.

Por outro lado, me sentia inadequado. Não conseguiria ser a pessoa que Sofie precisava e merecia. E também não queria ser.

A escuridão da noite foi chegando sorrateiramente. O barulho da chuva, antes alto, foi se distanciado aos poucos, assim como o volume dos meus pensamentos.

Estava tão fisicamente e emocionalmente exausto que não percebi em que momento encostei minha cabeça na dela. A visão ficou escura algumas vezes, e entendi que estava submergindo e emergindo do sono.

A insônia de dias estava cobrando seu preço. Era a minha hora de ir. Mas ainda não conseguia soltá-la.

Aquele instante era a linha tênue que separava o "acabei ficando sem querer", do "decidi ficar".

Sabia que precisava deixá-la naquele momento e ir embora. Mas eu tinha forças para isso?

Não cheguei a tomar a decisão, ou talvez inconscientemente já tivesse tomado. O que sei é que meus olhos se fecharam e, sem lutar contra, acabei adormecendo ali, com ela em meus braços.

Por fim, naquela noite, ela não estava sozinha.

E nem eu.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora