53. O porto

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Talvez fossem as paredes brancas, as cortinas e móveis excessivamente claros, ou a ausência de personalidade naquele quarto. Algo ali não me trazia conforto, apesar do colchão absurdamente macio. Ou talvez fosse o peso dos últimos acontecimentos esmagando qualquer leveza em meu espírito.

Tomei um banho e saí dali. Na cozinha, encontrei as chaves do meu carro sobre a mesa, onde havia deixado. Mas agora com um acréscimo: um controle.

Era oficial: eu morava com Alexander.

Não por muito tempo.

Enquanto tomava café, as lembranças de um sonho doce vieram: Alexander acariciava meus cabelos com ternura. Coisa impossível de acontecer na realidade, depois de eu tê-lo magoado profundamente.

Ele leu meus rascunhos? Ou ignorou? De qualquer forma, precisava explicar que eu não sabia que Elen era sua mãe adotiva.

Antes que a culpa me engolisse, busquei meu celular para escapar dos pensamentos. E encontrei culpa em outra pessoa: mensagens de Fayla cheia de remorso por ter me deixado sair vulnerável da festa. Liguei para tranquilizá-la.

— Tem certeza de que está bem, Soso? Imagino que ir presa deve ser assustador.

E era. A pressão das algemas nos pulsos, o banco de trás da viatura, a cela... imagens gravadas como cicatrizes.

Tentei amenizar, mas Fayla só relaxou quando a convidei para almoçar no shopping.

— Sim! Mil vezes sim! — respondeu, animada. — Tenho ginecologista antes, mas vou direto quando sair.

Passei o resto da manhã com a palavra "ginecologista" ecoando na cabeça.

Quando nos encontramos, Fayla me abraçou, seus cachos perfumados acolhendo minha bochecha.

— Como foi no ginecologista? — perguntei.

— Normal. Só exames de sempre.

Não era suficiente.

— Mas... como é...? — cocei o pescoço, sentindo o rosto esquentar.

Ela franziu as sobrancelhas.

— Ué, você nunca foi?

Desviei os olhos, vermelha.

— Eu... não. Nunca.

— É engraçado te ver sóbria constrangida. Bem diferente da Sofie bêbada desinibida — ela riu, passou o braço dentro do meu e saiu me levando. — Vem, vamos comer e ter uma conversa de mulheres mais do que necessária.

As coisas que Fayla me explicou, eu deveria saber há mais tempo. Mas quem teria aquele tipo de conversa comigo? Tio Thales? Na escola, aulas de educação sexual foram canceladas por pressão de pais conservadores. Minha única fonte de conhecimento era a internet, um oceano confuso e contraditório.

— Por isso é muito importante ir ao ginecologista, mesmo se você não tiver vida sexual ativa — concluiu ela.

Desviei o olhar. Não ia contar sobre Alexander. Fayla parecia confiável, mas depois de Lívia (minha amiga do ensino médio que espalhou que eu nunca havia beijado) e Ícaro (postando "casamento de mentirinha"), eu já tinha aprendido que confiança pode sair caro.

— Como escolho um médico confiável? — perguntei.

— Indicação é sempre bom. Inclusive, te indico a minha. Ela é ótima! Posso tentar um encaixe pra você essa semana, se não estiver menstruada.

E aí, me dei conta: estava atrasada.

Soltei os talheres.

— Sim, por favor — pedi, tentando disfarçar o desespero.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora