8. O encontro

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As coisas mudaram na escola. De repente eu não era mais "Sofie a BV". Era "Sofie a quebra nozes".

Continuava tendo um apelido, mas um menos pior. E me fez pensar que talvez devesse ter reagido antes. Não quebrando o nariz de Yuri — não me orgulhava disso —, mas em outras situações.

Yuri passou por mim sem sequer olhar em minha direção. Ele estava mais na dele, talvez tentando evitar que seu apelido se espalhasse ainda mais: "Yuri o nariz partido".

Um apelido de ensino médio deixa marcas que podem nos acompanhar pelo resto da vida. Eu era a responsável por Yuri carregar um agora.

Mesmo ele tendo uma parcela considerável de culpa, ali estava eu, sentada na mesa recuada do refeitório, planejando uma forma de me desculpar.

— Posso sentar? — Ícaro surgiu ao meu lado.

— Claro — respondi com um sorriso leve.

Ele se sentou e abriu um saquinho de jujubas.

— Quer?

— Não, obrigada — agradeci, sorrindo novamente. — A propósito, obrigada por ter me defendido aquele dia.

— Parece que você não precisa ser defendida — ele deu um sorrisinho de canto, colocando três jujubas na boca. — Onde você aprendeu a bater tão forte?

Éramos colegas há tempos e eu nunca havia reparado que seus olhos não eram castanhos e sim mel escuro.

— Foi só a adrenalina. Eu não queria machucá-lo — corei, envergonhada por ele ter presenciado tudo.

— Ele mereceu o nariz quebrado.

Foi imediato: lembrei de Alexander.

Eram as mesmas palavras usadas por ele. Mas eles não tinham nada em comum. Ícaro possuía cabelos ondulados, pele castanha e olhos dourados; Alexander... bom, eu estava evitando pensar naquele olhar gelado.

O intervalo acabou, mas no dia seguinte Ícaro se sentou comigo novamente. Em uma semana, aquilo virou rotina. Até formamos dupla em uma atividade de biologia — coisa que nunca havia acontecido.

Ícaro tinha um jeito meio bobo de achar graça em coisas como alguém falar uma palavra errada, ou trocadilhos ridículos em um canal do YouTube que ele tinha me apresentado. A melhor parte é que sua risada possuía o poder de me contagiar.

Graças à leveza das interações com Ícaro, passei o mês seguinte com o alívio de sentir que tinha alguém. Mas as noites continuavam trazendo a solidão, mesmo com Rosa, a babá, dormindo no quarto de hóspedes ao lado.

Rosa era legal. Preparava as minhas refeições, perguntava sobre o meu dia e colocava lanche na minha mochila. O problema não era ela; sim ele achar que eu precisava de babá quando eu era literalmente sua esposa. A forma como Alexander me subjugava doía.

De qualquer forma, um mês sem contato mostrou que ele realmente não se importava comigo. Provavelmente estava ocupado com outras mulheres.

Mas eu não precisava dele. Tinha Ícaro. Ele era um amigo para quem eu podia falar sobre tudo — ou quase tudo.

Só um tema evitávamos: meu marido.

Às vezes, eu até podia fingir que Alexander não existia... mas não hoje.

Na mesa recuada do refeitório, eu encarava meu boletim como se pudesse preencher aquela linha com o poder da mente.

— Essa não é a cara que eu faria se tivesse tirado dez em matemática — Ícaro disse se sentando ao meu lado.

Respirei fundo.

— É que... eu preciso de uma assinatura.

— E por que isso é um problema?

— A pessoa que precisa assinar... é que é o problema.

E só de pensar em encarar os olhos frios de Alexander eu sentia o estômago gelar.

— Seu... marido? — ele perguntou, testando a palavra.

Um arrepio me subiu pela espinha. Marido.

O olhar compreensivo de Ícaro me fez sentir que podia me abrir.

— Sim... mas a gente só se casou no papel. Para evitar um abrigo de menores.

Ícaro ergueu as sobrancelhas levemente, mas nada comentou. O que eu mais gostava nele era sua capacidade de entender tudo nas minhas poucas palavras.

— Não se preocupe, Sofie. Aposto essas jujubas que vai dar tudo certo — ele tirou um saquinho de jujubas roxas do bolso, meu sabor favorito.

Sorri, e passamos o resto do intervalo comendo jujubas roxas.

Na saída, ele insistiu em me acompanhar até em casa, mesmo sabendo que a caminhada era longa. Quando paramos na porta, ele ficou hesitante.

— Amanhã é sábado... eu estava pensando... o que você acha de darmos uma volta no parque da cidade? Você sabe... só para respirar um pouco de ar puro e tal.

Passar mais tempo com a pessoa que me fazia esquecer momentaneamente dos problemas?

— Eu topo — respondi, sem pensar muito.

No dia seguinte, ele apareceu na hora marcada. Caminhamos até o parque conversando aleatoriedades. Rimos dos patinhos brigando no lago como se isso fosse hilário. Depois nos sentamos em um banco perto da pista de corrida tomando água de coco. A tentativa falha de abrir o coco vazio gerou risadas.

Eu estava tão leve que mal percebi a tarde avançar e o céu ficar alaranjado. Em silêncio, acompanhamos o sol se pôr.

Então, de repente, senti o braço hesitante de Ícaro ao redor dos meus ombros. Olhei para ele, e foi quando começou a se inclinar lentamente, parecendo nervoso.

Meu coração acelerou, minhas mãos suaram.

Ícaro era incrível. Divertido, gentil, bonito. Por um segundo, quis aquele beijo. Mas então lembrei que era casada. E isso era algo que eu não conseguia ignorar.

Me afastei suavemente para não parecer que estava rejeitando-o.

— Não posso, Ícaro. Eu... sou casada — sussurrei, corando.

Ele franziu a testa, confuso.

— Mas você disse que não era um casamento de verdade — os olhos dourados ficaram perdidos.

— Mesmo assim... não é certo. Eu... eu não posso — balancei a cabeça.

Ícaro ficou tão envergonhado que o rubor se fez evidentemente mesmo no tom moreno de sua pele.

— Tudo bem. Me desculpe — ele baixou os olhos, desconcertado, e tirou o braço devagar.

E quando achei que não podia piorar, avistei alguém que fez meu coração correr uma maratona.

Alexander.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora