20. O conforto

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No meio do caminho para a rodoviária, me dei conta: não tinha dinheiro, documentos e, mais importante, idade para viajar sozinha.

O plano de fugir teria que ser adiado. Pelo menos por alguns meses.

Perdida, exausta tanto física quanto emocionalmente, a dor de não ter mais ninguém no mundo que me amasse esmagou meu peito até quase sufocar.

Sem saber para onde ir, meus pés me carregaram à pracinha do bairro onde cresci. Meus pais costumavam me levar para brincar ali desde bem pequena.

Aquela praça era um refúgio; eu ainda ia lá quando precisava deles.

E agora, precisava deles mais do que nunca.

Me sentei no balanço e fechei os olhos. As lembranças invadiram como uma enxurrada. Vi meu pai rindo, me empurrando cada vez mais alto, enquanto minha mãe, sempre cuidadosa, pedia para ele diminuir. Era uma cena antiga, mas a sensação era tão vívida que me fez sorrir entre lágrimas.

Fiquei ali revivendo nossos momentos juntos por muito tempo. E pretendia ficar para sempre.

Mas então ouvi passos se aproximando.

Não me mexi. Não me importei. Estava cansada demais para sentir medo. E, para ser sincera, não tinha energia para lidar com qualquer coisa.

De cabeça baixa, vi os sapatos sociais.

Meu coração disparou.

Alexander.

Como ele me encontrou?

Não tive coragem de erguer o olhar. Nem forças.

Eu o conhecia o suficiente para saber que estava bravo. Ele ia brigar comigo. E com certeza me achava ainda mais criança agora, me vendo sentada em um balanço.

Mas o inimaginável aconteceu. Pelo canto do olho, vi o impossível: Alexander, com suas roupas formais, sentado no balanço ao meu lado.

Ele não disse nada. Só ficou ali. Comigo.

O tempo passou de um jeito estranho. Segundos, minutos... não fazia diferença. O que importava era a presença dele. Eu me perguntava por que ele, tão ocupado, perderia tanto tempo do seu dia aqui. Ao meu lado.

Era como se ele, silenciosamente, dissesse que eu não estava sozinha.

E era o que eu mais precisava naquele momento: sentir que tinha alguém.

Aos poucos, senti como se algo dentro de mim fosse recarregando silenciosamente, como uma bateria que, de tão fraca, demora para pegar ritmo. Mas pega.

A bateria lentamente saiu do modo crítico e foi subindo. Eu não estava completamente recuperada, mas já tinha forças para continuar. Era hora de ir. Desci do balanço.

Alexander se levantou também, sem dizer uma palavra. Não olhei para ele. Não consegui.

Fomos para o carro, lado a lado, em silêncio.

Minha mochila estava no banco do passageiro, e eu a abracei durante todo o caminho. Como se fosse um escudo. Ela foi um presente de tio Thales, e ele costumava representar meu escudo contra a dor.

Estranhamente, a presença de Alexander tinha um efeito parecido agora. Mesmo sem dizer nada, algo nele estava me dando conforto. Isso era novo. E muito bom.

Ele parou o carro em frente à minha casa, desligou o motor e olhou para mim.

— Você vai ficar bem? — ele perguntou.

A voz não era fria, como de costume. Havia uma suavidade nova ali, algo que eu não conseguia decifrar.

E nos olhos dele... havia algo diferente. Preocupação? Cuidado? Não sabia ao certo, mas estava lá.

— Vou — respondi baixinho.

Ele continuou me observando, atento em meu rosto, como se tentasse se certificar de que eu realmente ficaria bem. Alexander parecia... preocupado. Talvez com medo de me deixar e eu fugir novamente.

— Não faz isso de novo.

Suave demais para ser uma ordem; impositivo demais para ser um pedido.

— Não faço.

Ele me olhou por um segundo a mais antes de ligar o carro.

Saí do veículo, mas ele me esperou entrar em casa para dar partida.

Me larguei no sofá e peguei o celular, por hábito. Foi quando vi a chamada perdida de um número não salvo. Algo dentro de mim dizia que era ele.

Salvei o número como 'Alex'.

Porque foi Alex que ficou ao meu lado hoje.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora