51. O abismo

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Deitada na cama, eu encarava, estática, o teto branco. A luz do sol filtrava-se pelas cortinas claras. Pássaros cantavam distantes e o cenário era pacífico. Mas dentro de mim, não havia paz alguma. Apenas caos.

Minha mente reprisava, incansavelmente, a noite passada. A busca desesperada pela cidade, bêbada, sem sequer saber onde Alexander morava.

O que eu esperava com aquilo? Agora eu via o absurdo da minha atitude. O álcool arrancava de mim a racionalidade.

E a conta chegou: responder por um crime.

Nunca teria carteira de motorista, mas isso era o de menos. O pior era a ficha criminal. Ré em um processo penal.

O que meus pais pensariam de mim se estivessem aqui?

Vergonha. Sentiriam vergonha. Assim como eu sentia de mim mesma.

Meu corpo pesava tanto quanto minha mente. Cansada e com sono. Sentia que tinha dormido pouco. Mas meus pensamentos não me deixaram descansar.

Arrastei-me até o banheiro, grata por haver um dentro do quarto. Lavei o rosto com água fria, mas o reflexo no espelho seguia irreconhecível. Eu parecia uma estranha para mim mesma.

Precisei respirar fundo várias vezes para ter coragem de sair do quarto. Meu coração disparou ao me deparar com uma mala na porta. Por um instante, temi que Alexander fosse viajar, mas logo reconheci a mala lilás. E estava pesada.

A pressão no peito cresceu. Atravessei a casa, perdida entre os cômodos amplos, buscando desesperadamente duas esferas azuis.

Ele estava na cozinha, uma xícara de café em uma mão, o tablet na outra, a atenção completamente alheia à tempestade que eu trazia comigo. Seus cabelos estavam úmidos.

— Que mala é aquela? — perguntei, tentando esconder a agitação.

Sem levantar os olhos, ele respondeu em tom neutro:

— Sua.

O nível de estresse subiu.

— Por que está aqui?

Ele rolou a página no tablet, mantendo o rosto inexpressivo.

— Você vai morar aqui a partir de agora — decretou como um general ditador.

Aquilo me revoltou. Eu tinha errado feio com ele, me sentia terrivelmente culpada. Mas isso não anulava tudo de ruim que ele me fez. Nem lhe dava o direito de invadir minha casa, pegar minhas coisas e decidir onde eu ia morar. Eu não era mais a garota boba que permitia suas tentativas de me controlar. Respondi firme:

— Não.

Ele finalmente me olhou.

— Sente-se — ordenou, apontando para a cadeira à sua frente.

Fiquei imóvel, desafiando-o com o olhar. Alexander tinha que parar de achar que mandava em mim.

Ele suspirou e deixou o tablet de lado.

— Por favor — pediu, dessa vez em um tom suave que me desarmou.

Relutante, sentei.

Nos olhamos por alguns segundos, e quase cedi ao peso da culpa que carregava, então ele começou, sério:

— Fui injusto com você. Desde o início. Falhei de formas que talvez nunca consiga reparar. Sei que sou responsável por tudo de ruim que você viveu nos últimos dez meses. Eu te negligenciei, Sofie. O que aconteceu ontem, aquilo também é culpa minha. E eu jamais me perdoaria se algo pior tivesse te acontecido. Então, estou te pedindo, fique.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora