56. O compasso

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Negativo.

O resultado deu negativo.

O alívio quase me desmoronou. Nunca mais queria passar por um sufoco desses. Saí da clínica cegamente com um destino: farmácia. Lá mesmo tomei o primeiro comprimido do anticoncepcional.

Fayla não questionou minha decisão de ir à clínica sozinha. Preferi assim porque, se desse positivo, Alexander seria o primeiro a quem eu contaria — mesmo temendo sua reação.

Mas isso já não importava. Estava feliz, aliviada. Passeava pelo shopping cheia de ideias: faculdade, autoescola, viagens. Tantos horizontes! Sem o peso da maternidade precoce, podia ser o que quisesse. Até mudar de país, cor favorita e nome.

Em uma vitrine, um vestido vermelho se convidou para ser meu. Em outra loja, concordei com a vendedora que aquele perfume era um investimento em mim.

Foi só ao ver o quanto gastei que percebi como é fácil recorrer ao consumismo como tapa buraco emocional. Porque, apesar do alívio desbalanceado, o resultado deixou um vazio: o garotinho de olhos azuis não existia.

Minha última compra foi um livro de educação financeira. Voltei andando para compensar as compras compulsivas. Um pouco distante, mas valeu a pena ao chegar no bairro dele, tão arborizado e agradável de caminhar.

Seguia lendo a introdução do livro quando o vento jogou meu cabelo no rosto. Ao erguer a cabeça, vi um carrinho de bebê. Meu peito afundou.

— Sofie?

Não acreditei em quem guiava o carrinho.

— Rosa! — corri para abraçá-la.

— Minha menina. Que bom te ver — ela me apertou carinhosamente. — Tentei te ligar tantas vezes!

O bebê chorou. Rosa, pacientemente, falou numa língua que ele entendia. Ele logo se acalmou e sorriu. Seus olhinhos lacrimosos me encararam. As bochechas redondas eram adoráveis. Mas por que aquilo me entristeceu?

— Pedrinho gostou de você, Sof.

Peguei sua mãozinha. Ele sorriu, desdentado. Eu sorri, melancólica.

Acompanhei-os até uma pracinha próxima. Rosa contou que Pedrinho morava ali perto e que ela era sua babá. Senti ciúmes. Não porque ela tinha sido minha babá, mas por imaginá-la nesse papel com meu garotinho que também moraria naquela rua.

Passei o dia tentando superar o cheiro de Pedrinho. Por volta das seis, finalmente comecei a entender os conceitos complexos daquele livro de finanças. Talvez devesse fazer um curso online.

Minha barriga roncou pelo jantar e percebi que Alexander estava demorando.

Fiquei preocupada, mas dali alguns minutos ele atravessou a porta. Cansado e aborrecido.

— O assaltante levou algo mais ou só o celular? — indagou.

— Do que está falando?

— Não responde uma mensagem — resmungou passando direto.

— Estava ocupada — resmunguei de volta.

Busquei o celular no quarto e encontrei suas mensagens: avisando que chegaria tarde, depois perguntando como eu estava, e a última:

"Grande notícia: os pombos-correios agora têm Wi-Fi, mas ainda perdem para a velocidade das respostas de Sofie"

No jantar, observei-o comer alheio ao fato de que escapou de agora estar pensando no preço exorbitante das fraldas. Mesmo não fazendo sentido mencionar, queria conversar sobre o exame. Mas não suportaria sua expressão de alívio enquanto encarar aqueles olhos só me fazia pensar no menininho de olhos muito claros correndo pela casa.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora