35. O despertar

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Eu vi Alexander sem camisa.

A pele nua, os músculos definidos sob a luz suave, cada detalhe de seu tronco parecia esculpido à mão, com um cuidado quase reverente.

Meu coração disparou absurdamente, e minha respiração ficou errática. As pernas amoleceram e um calor intenso subiu pelo meu corpo.

Aquela era uma visão inesquecível.

Mas eu precisava esquecer.

Ele desapareceu novamente, desta vez pior: viajou para outro país a negócios, onde ficaria por um mês. Sem aviso, sem despedida. Aquilo me quebrou.

Alexander embarcou hoje de manhã, mas eu só soube quando Gutierre foi me buscar na escola e me convidou para almoçar em sua casa. Aceitei na esperança de pedir desculpas a Guilhermo por ter desmarcado com ele, mas descobri que ele já havia partido.

Comi sem sentir o sabor, lutando contra o nó na garganta.

Fui tola em deixar Alexander me manipular para não sair com Guilhermo.

Ele claramente não se importava; deixou para Gutierre minhas eventuais pendências escolares. Dizer que eu era uma bolinha de ping-pong seria um elogio. Estava mais para um fardo indesejado que ninguém queria — e que Alexander desprezava.

Me senti patética por passar o fim de semana usando a camisa dele para dormir. Na hora que a vesti, pareceu certo. A camisa básica de manga curta serviu como um vestido, chegando até a metade das coxas. O tecido macio de algodão cobriu meu corpo de um jeito que me senti abraçada pelo dono.

As memórias do nosso jantar agora pareciam mentirosas. Aqueles olhos azuis do outro lado da mesa me encaravam com uma intensidade que parecia mostrar real interesse no que eu tinha a dizer.

Era raro vê-lo assim, sem roupa social. Ele usava uma calça preta casual, e o tom vinho muito escuro da camisa deu uma imagem quente a ele.

Havia um resquício de afeto, algo de calor escondido entre suas perguntas. Era como se Alex estivesse bem ali, querendo ser afetuoso comigo, e Alexander o impedisse, mantendo-o trancado.

Mas eu não podia viver à espera de Alex.

No cursinho, ver o professor de história me lembrou de Alexander dizendo que era meu namorado. Usei todas as forças para apagar o calor que senti no peito ao ouvir aquilo de seus lábios.

Em casa, fui direto para a escrivaninha do quarto. Estudar intensamente estava se tornando uma defesa. E eu precisava proteger meu coração.

Às oito, um nome surgiu na tela do celular.

Era ele.

Me ligando.

Senti um solavanco no coração.

Parte de mim quis atender imediatamente. Mas a outra parte — a parte ferida, que se sentia descartada — hesitou.

Na nossa relação, ele tinha o controle de tudo, sempre ditava o ritmo. As conversas eram ao tempo dele, do jeito que ele escolhesse.

Então, pela primeira vez, decidi ignorá-lo. Deixei o celular tocar até que a chamada se apagasse da tela.

Fechei os olhos e soltei a respiração, que eu nem sabia estar prendendo.

Tocou novamente. Outro salto no meu peito.

Apertei o celular nas mãos trêmulas, meus sentimentos em desordem, enquanto uma guerra se formava em mim.

Meu coração implorava ouvir a voz dele. Saber o que ele tinha a dizer. Matar a saudade...

A razão, por outro lado, me mandava resistir.

A chamada caiu, e novamente soltei a respiração presa.

Ele ligou de novo.

Desta vez, peguei meu livro e saí, abandonando o celular. Cada toque era um teste à minha decisão, e cada passo doía. Me fechei no escritório de tio Thales, como se ele ainda pudesse me proteger, como se ainda fosse meu escudo contra a dor.

O som foi bloqueado pela porta de madeira, mas eu podia ouvir dentro da minha cabeça. Sentei à mesa e tentei me concentrar na leitura, mas meu coração ainda estava preso à possibilidade de ouvir a voz dele.

Me forcei a ler, mesmo como ele invadindo meus pensamentos, até que retomei o raciocínio da matéria.

Cerca de dez minutos depois, a campainha tocou.

Era Gutierre. Seu olhar continuou preocupado mesmo após eu dizer que estava bem.

— Alexander tentou falar com você, disse que você não atendeu — contou ele, com as sobrancelhas franzidas.

— É que... — desviei os olhos. — Eu estava estudando. Nem vi a ligação.

— Claro. Quando puder, retorne à chamada. Ele ficou preocupado.

Sacudi a cabeça nervosamente, talvez mais vezes que o necessário.

Nos despedimos e corri para o quarto com o coração na garganta.

O celular tocou assim que entrei.

Não era minha intenção preocupá-lo, mas saber que ele me procurava, que eu estava presente na mente dele naquele exato momento, me deu uma estranha sensação de poder.

Havia dois sabores na minha boca: o doce da pequena vingança; o amargo da culpa.

Mas será que ele merecia meu remorso?

Respirei fundo e desta vez não esperei a chamada cair.

Eu a rejeitei.

O alívio veio, inesperado. Era como se, pela primeira vez, eu tivesse o controle. Ele estava do outro lado, e agora eu poderia escolher quando e como responder.

Esse poder recém-descoberto trouxe uma satisfação inusitada, mesmo que meu coração ainda saltasse, dividido entre o alívio e a ansiedade. Desliguei o aparelho e coloquei sobre o caderno, aberto na matéria de filosofia.

Uma frase no papel capturou minha atenção: "A mudança não ocorre sem um despertar."

Repeti a frase em silêncio, como um mantra.

Eu estava pronta para mudar.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora