22. A despedida

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Alexander

Há uma semana eu não dormia direito.

Acordava no meio da madrugada e encarava o teto por horas esperando o sono voltar. Tentei me convencer de que era apenas o estresse acumulado. Mas na última noite o sono nem veio. E a razão estava clara:

Era o aniversário de Thales.

Sem dormir, fui para o escritório às cinco da manhã. Aproveitei o silêncio para me concentrar nas minhas obrigações, mas quanto mais as horas passavam, mais aquilo me arrastava para baixo.

Recorrer à raiva sempre funcionava para bloquear qualquer coisa, especialmente sobre Thales. Desta vez não funcionou. Me enterrei em trabalho, fechando contratos irrelevantes, lidando com as tarefas mais tediosas. Mas minha mente sempre voltava para ele.

Por que ele tinha que mor...

Maldito.

Mesmo que ele não pudesse prever o câncer terminal que avançou tão rápido, eu o culpava. Ele deveria ter me contado. Eu teria aproveitado melhor o tempo com ele, teria dito o que nunca disse. Ele tirou isso de mim.

Por isso eu sentia tanta raiva.

Mas hoje ele completaria 37 anos, e por mais que eu quisesse escapar, não conseguia. Não mais.

Gutierre entrou na minha sala sem ser chamado, como de costume.

— Você está um trapo — disse, me olhando com cara de preocupação.

— Diga logo o que você quer. Estou ocupado — foquei minha atenção no computador.

— Só vim ver como você está, Alex — ele usou o tom paternalista que eu detestava.

— Já viu — resmunguei, sem tirar os olhos da tela.

Gutierre continuou ali parado, me encarando como se esperasse que eu fosse ceder. Era melhor que esperasse sentado. Em outro lugar, de preferência.

— Você ao menos falou com ela hoje? — ele perguntou e meus ombros se enrijeceram. — Este dia deve estar sendo terrível para Sofie.

O nome dela pairou no ar como uma nuvem pesada. Apertei o mouse com mais força do que necessário.

— Se você se importa tanto, por que não vai vê-la você mesmo?

— Ela não precisa de mim. Precisa do marido.

Levantei-me bruscamente, sentindo o sangue subir à cabeça. Fui até a porta e a abri para que ele saísse e me deixasse em paz. Não que houvesse paz dentro de mim, mas falar dela só traria mais desassossego.

Gutierre parou na minha frente e colocou a mão em meu ombro.

— Escuta, Alex...

— Não tenho tempo para falar dela agora — cortei, irritado.

— Eu só ia dizer que você devia ir se despedir dele — disse, apertando firme meu ombro.

Não respondi. Olhei para fora e esperei que ele se mancasse que eu queria ficar sozinho. Gutierre respirou fundo e saiu.

Assim que fechei a porta, o peso do mundo caiu sobre os meus ombros. Ele estava certo. Eu precisava me despedir de Thales. Admitir a perda. Talvez assim essa noite não fosse uma tormenta.

Saí do escritório antes do fim do dia e dirigi até o cemitério. Cada quilômetro me arrastava mais fundo no luto que eu tanto lutava para não encarar.

Ao chegar no local, um passo após o outro me jogava para um lugar mental de desespero. Aquilo me dilacerava. Andei pelo caminho de pedras sem saber ao certo o que dizer. As palavras eram insuficientes diante do que Thales significava.

Então eu a vi.

Sofie estava de pé diante da lápide, sozinha e fragilizada. Aquela imagem fez algo retorcer dentro de mim.

Ela parecia menor, vulnerável, como se o mundo tivesse desabado sobre ela. E desabou. Ela perdeu tudo, Thales era sua única família, e agora estava sem ninguém.

Fiquei ali por um momento, observando de longe aquela imagem incômoda.

O vento soprava forte levando os cabelos dela, mas ela parecia tão frágil que talvez o vento pudesse levá-la junto.

Thales não gostaria de vê-la assim. Se estivesse aqui, ele faria qualquer coisa para que ela não ficasse sozinha.

De repente, tudo fez sentido.

Era isso. Quando decidiu nosso casamento, o que ele realmente queria era garantir que Sofie não ficasse só.

Passei cinco meses acreditando que Thales amarrou o testamento com a cláusula do abrigo de menores porque sabia que eu não permitiria que a sobrinha dele fosse enviada para um lugar que eu sabia bem como era horrível.

Achei que ele estava fazendo uma cobrança direta, como se, ao impedir que ela fosse para um lugar desses, eu estivesse quitando minha dívida por ele ter me impedido de voltar.

Mas ele nunca teve a intenção de cobrar nada. Só queria garantir que Sofie tivesse alguém.

Eu não era a melhor opção para ser esse alguém, era a pior. Mas, infelizmente, era isso que ela tinha.

Respirei fundo e segui em frente. Era hora de encarar aquilo.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora