Alexander
Depois da décima reunião do dia, a palavra "paciência" já tinha perdido qualquer resquício de significado.
O pior não era o volume de reuniões, mas a mediocridade constante. Como era possível que, em cada uma delas, eu estivesse cercado de pessoas incapazes de tomar decisões por conta própria? Eu tinha mesmo que dar as soluções para tudo?
No meio de uma fala minha, o maldito Hugo me mandou uma mensagem que cortou meu raciocínio:
"A sua esposa..."
Não li o resto. O que quer que fosse, eu não tinha tempo para lidar com Sofie.
Virei o celular com a tela para baixo e me concentrei no desafio daquela reunião: tentar explicar para um bando de neandertal a importância de uma estratégia coesa.
Quando finalmente saí da sala de reuniões, preferia fazer uma cirurgia de remoção de braço sem anestesia do que ver a cara de mais alguém.
E foi isso que tentei fazer Hugo entender quando falei que não queria ver inferno de ninguém.
Então a vi.
Ótimo. Mais uma coisa para lidar.
Chamei-a porque não tinha outro jeito, mas quando entrei na sala lembrei do e-mail que estava esperando de Anselmo Vilarino, um peixe grande que eu tentava fisgar há meses.
Quando abri o notebook o que encontrei foi um e-mail de ameaça de rescisão de contrato de um cliente. Comecei a digitar a resposta, me esforçando ao máximo para não mandarem pegar aquele contrato e enfiá-lo em algum lugar que só um advogado desonesto conseguiria alcançar.
Nunca tive paciência para adular clientes fazendo chantagem para conseguir baixar o valor do contrato. Thales é que era bom com esse tipo de coisa. Thales...
Sofie.
Me esquecer de sua presença não era uma novidade. Sofie era assim — quieta, invisível, até que, de repente, se tornava um lembrete irritante de um casamento que eu não pedi para ter.
E agora estava ali, me observando.
— Preciso que você assine o meu boletim — sua voz era baixa e acuada, como se pedisse desculpas por falar.
Boletim. No meio de tantas pendências urgentes eu tinha que lidar com um boletim. Mas não seria justo descontar meu estresse nela, então eu ia ser o mais objetivo possível naquilo.
Recebi o papel. Dez em matemática, química e biologia. Nenhuma abaixo de nove. Notas perfeitas.
Não era uma surpresa. A diretora havia comentado sobre a impressionante inteligência de Sofie.
Assinei e devolvi. Já estava pronto para continuar o que realmente importava: concluir o dia sem xingar um cliente. Mas ela não foi embora. Ficou ali, como se quisesse algo mais. Eu podia sentir o ar mais denso pelo peso de suas palavras não ditas.
Então ela falou algo que eu não esperava:
— Eu te vi no parque.
Interrompi a digitação no meio da palavra "escalabilidade".
Claro que me viu. Ela me encarou tanto e de forma tão incômoda que mal consegui prestar atenção na 8ª Sinfonia Inacabada de Schubert tocando nos fones de ouvido.
Eu não tinha qualquer interesse em relembrar aquele momento. Não por ela estar com outro homem, isso seria ridículo.
O desconforto residia no meu impulso irracional de afastá-lo dela depois que ela balançou a cabeça recusando o beijo e ele não se afastou imediatamente.
Obviamente, minha reação não dizia respeito a ela, mas ao meu senso de justiça. Eu agiria assim por qualquer mulher desconhecida nessa situação. Acrescente o fato de que eu ainda nem tinha digerido completamente a história revoltante dela ter sido assediada na escola.
— Eu sei — respondi, voltando a digitar.
Deu para ver como ela ficou nervosa pela forma que seus dedos trêmulos ajustaram a mecha solta de cabelo atrás da orelha duas vezes, como um gesto inconsciente.
— Por que não falou comigo?
Ela perguntou isso mesmo?
Eu tinha problemas maiores para resolver do que explicar por que não me dei ao trabalho de interagir com ela em um contexto em que eu não era estritamente obrigado.
— Você estava ocupada.
As palavras mal saíram e eu me arrependi amargamente. Não deveria ter dado uma resposta tão emocional.
Só estava impaciente, mas acabei falando como alguém de ego ferido. A última coisa que eu queria na vida era fazer uma adolescente acreditar que eu tinha algum sentimento de posse por ela.
— Ícaro é só um amigo...
Ela achava que eu estava com ciúmes? Era só o que me faltava.
Olhei para ela. Seu rosto estava avermelhado.
— Você não tem que me dar satisfação sobre esse tipo de coisa.
Ela não era minha mulher, não fora da certidão de casamento. Portanto não me importava com quem ela saísse.
Sofie ficou ainda mais vermelha. Se encolheu na cadeira, visivelmente desconfortável.
— Não estou te dando satisfação... Só achei que...
Ela realmente achou que eu senti ciúmes. Francamente.
Ergui uma sobrancelha, curioso para ver se ela ia ter coragem de falar uma coisa ridícula dessas. Mas ela não concluiu a frase. Ficou ali, me olhando com aqueles introspectivos e inseguros olhos castanhos que sempre pareciam me fazer perguntas infinitas.
Eu tinha mais o que fazer.
— Se isso é tudo, você já pode ir.
Ela baixou os olhos como se tivesse sido golpeada.
Me senti péssimo. Não foi minha intenção ser cruel, só queria encerrar aquilo de uma vez e me concentrar na longa lista de tarefas.
Mesmo assim, não tentei amenizar. Mantive os olhos na tela do computador, deixando claro que o assunto estava encerrado.
Ela se levantou e saiu.
O som da porta fechando me trouxe alívio misturado com um vazio incômodo.
Eu sabia que ela merecia mais. Merecia que alguém desempenhasse o papel de suporte em sua vida.
Mas eu não só não era capaz de ser essa pessoa, como também não queria.
Ela estava por conta própria e ia ter que aprender a lidar com isso. Afinal, eu fiquei por conta própria muito mais cedo que ela e sobrevivi.
Sofie ia ter que dar um jeito de sobreviver também.
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Meu marido indesejado
Teen Fiction"Você está na escola, certo? Deve saber o mínimo de interpretação para entender que isso não é um casamento. É um contrato. Um mero pedaço de papel cujo único objetivo é impedir que você vá para um abrigo. Você assina essa porcaria, e cada um segue...