60. O nervosismo

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Um homem de cabelos úmidos, cheiro refrescante, terno impecável e olhos claríssimos me deu um beijo de despedida na testa pela manhã. Bem diferente do menino cansado que dormiu em meus braços ontem.

— Não queria te acordar — ele lamentou ao me ver abrir os olhos.

— Você já vai? — choraminguei, segurando a gravata vinho escuro para impedir que ele se afastasse.

— Chego mais cedo hoje.

— Promete?

Alexander me deu um selinho doce.

— Prometo. Agora volte a dormir — ele afagou meus cabelos.

Sorri satisfeita, fechando os olhos e me aninhando ao travesseiro.

Mais tarde, o dia ganhou ritmo. Fiz minha matrícula na autoescola e saí de lá com o material teórico. Depois, passei no shopping para comprar coisas para meu novo projeto: o hobby artístico.

Cobri o chão do quarto com jornais para evitar sujeira e abri as janelas. Encarei a tela em branco por longos minutos, indecisa. As aulas online recomendavam começar com algo simples: flores, frutas. Mas estava ansiosa para criar algo realmente interessante.

Fechei os olhos buscando inspiração em algo marcante que já vi. Surgiu um cenário muito branco, muito frio, e o elemento principal era profundamente azul. Óbvio que não ia pintar os olhos de Alexander — nem tinha técnica para isso.

Talvez algo mais abstrato para começar.

Então lembrei de algo verde dançante no céu acima da vastidão de neve. Perfeito.

Minha empolgação, porém, logo virou frustração. Pareciam pinceladas desajeitados de uma criança de cinco anos.

Três telas borradas depois, nenhuma arte apreciável estava à vista. Mesmo assim, havia algo de divertido naquilo. Tinta verde e branco sujando meus dedos, o cheiro que tomava o quarto, o desafio de criar algo do nada. Eu estava adorando. Sem contar que mantinha minha mente ocupada, longe da saudade de Alexander.

Precisava tomar cuidado para não pensar demais nele. Ele certamente não passa o dia pensando em mim. Alexander é um homem de negócios sério e focado.

Imaginei-o todo lindo de terno com aquela cara de quem quer matar dez mil. Sorri sem perceber.

O toque do celular disparou meu coração. Corri cegamente.

Não era ele. Mas também fiquei feliz por ser Fayla.

Ela me convidou para um clube de piscina e aceitei de imediato.

Sentadas na borda com os pés na água, contei um pouco sobre a viagem — mas não tudo, algumas memórias eram só minhas. Ela, por outro lado, falou abertamente sobre a virada de ano revirando na cama com Guilhermo.

— Você não faz ideia do quanto aquele homem é incansável — ela sorriu com o canudo entre os dentes, os óculos escuros refletindo a água.

Quase comentei que Alexander também era incansável, mas só consegui dizer:

— Deve ter sido uma noite e tanto.

— Oh, sim, foi. Mas nada que deixasse marquinhas no meu pescoço

Levei a mão ao pescoço. Esqueci que a maquiagem para cobrir as marcas remanescentes não era à prova d'água. Meu rosto esquentou e não era apenas pelo sol.

Fayla gargalhou.

— Você é uma graça quando fica constrangida — ela sacudiu a cabeça e seus cachos molhados balançaram, pesados.

Meu marido indesejadoOnde histórias criam vida. Descubra agora