Na parede da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital das Almas, o relógio apontava 15 horas. Após a visita do médico e do enfermeiro, Sofia finalmente recebeu a alta que tanto esperava.
- Graças a Deus vou poder sair desse lugar. – Comemorou Sofia conversando com uma técnica que a ajudava. – Parece que faz uma eternidade que cheguei aqui.
- Pois é! – Respondeu a mulher. – Eu agradeço a Deus por nunca ter passado por isso. A gente que trabalha aqui todos os dias sabe como é triste ficar preso nesse lugar.
- É exatamente assim que estava me sentindo, presa. Sinceramente Luzia, eu não sei por que vocês escolhem trabalhar aqui.
- Bom, no meu caso eu não escolhi de verdade. Foi o emprego que apareceu e a gente não pode ficar escolhendo muito quando precisa, não é? Mas sabe que hoje eu até gosto de trabalhar na UTI.
- Pois eu admiro muito vocês. Eu acho que não sirvo para ficar trancada aqui, não. Sei lá, o ambiente parece tão pesado.
- Na maioria das vezes é mesmo, mas acho que a gente acaba se acostumando tanto que nem percebe mais.
- Bom, mas o que interessa é que estou finalmente indo embora.
- Sorte a sua. – Respondeu um homem até então calado, sentado próximo ao leito de Sofia.
- Me desculpe senhor. – Respondeu a enfermeira constrangida. – Eu não quis ofender. É só que...
- Não precisa se explicar não, moça. Eu entendo. – Interrompeu o homem. – Se fosse meu filho que estivesse saindo daqui também estaria feliz assim.
- Sofia, este é o seu Plínio. – Apresentou Luzia. – Ele é pai do Arthur do leito 8.
O homem então se levantou para cumprimentá-la e só então Sofia pode reparar em suas feições. Plínio Bianco parecia tão debilitado que poderia ser confundido facilmente por algum daqueles pacientes. Dono de um rosto cerrado, era calvo e alto, e seus olhos azuis poderiam ter sido bastante bonitos algum dia, mas hoje pareciam apagados e ofuscados por grandes olheiras. Mantinha-se sentado ao lado do filho todos os dias na esperança de poder vê-lo reagir e levantar de uma vez por todas daquela cama.
- Prazer. – Respondeu a enfermeira. – Sofia.
- Você me parece familiar.
- A Sofia é enfermeira no Pronto Socorro aqui do hospital. – Intrometeu-se Luzia.
- Sim, é isso mesmo. – Concordou Sofia fuzilando a técnica com o olhar.
- Ah, claro. Agora me lembrei. – Respondeu Plínio com uma das mãos na testa. – Foi você quem recebeu o Arthur aqui quando ele sofreu o acidente.
- Puxa que coincidência. Foi muita sorte então, porque a Sofia é uma excelente profissional. – Bajulou Luzia recebendo um olhar ainda pior que o anterior.
- Disso eu não tenho dúvida. – Concordou Plínio. – Um pouco impaciente, mas realmente cuidou muito bem do Arthur.
- Porque o senhor está falando isso? – Estranhou Sofia mudando imediatamente a fisionomia. – Eu fiz algo que te desagradou?
- Digamos que você foi bastante áspera quando cheguei desesperado à procura do meu filho.
Sentindo o clima constrangedor que pairava no ar, Luzia tratou de arranjar uma desculpa para escapar.
- Bom, eu acho que vou aproveitar e ver se o enfermeiro está precisando de mim ali na frente. Com licença.
- O senhor me desculpa, mas a minha função é manter a ordem no setor. – Continuou Sofia se justificando então. - Ás vezes não podemos perder tempo explicando a situação com calma para todo mundo, principalmente quando alguém chega alterado. A simpatia não é a melhor solução, pode acreditar!
- Eu sei. Tenho que confessar também que não fui um verdadeiro gentleman. Não estava em um dos meus melhores momentos naquele dia.
- Tudo bem. Estou acostumada a passar por essas coisas. Durante minha carreira já ouvi tudo quanto é tipo de barbaridade dos familiares.
O homem apenas sorriu com o canto da boca e voltou a pousar os olhos tristes sobre o filho.
- Mas eu ainda não me lembrei de vocês. – Continuou Sofia.
- Não é de se estranhar, já faz tempo mesmo. Sexta vai completar oito meses que ele está aqui e quando chegou não estava tão inchado também. Ele sempre foi tão bonito. A fisionomia dele mudou muito.
- Ele sofreu um acidente?
- Sim. Ele estava voltando da casa da namorada em sua moto quando um carro o atingiu na rodovia. A moça que dirigia o veiculo estava completamente embriagada e só por Deus não está aqui com ele hoje. Não sobrou muita coisa nem do automóvel nem da moto. Ele sofreu várias fraturas e apesar de usar o capacete na ocasião sofreu um traumatismo craniano também. Eu já perdi até a conta da quantidade de cirurgias que fez.
- E ainda assim não teve melhora?
- Não. Quer dizer, ele está estável porém continua em coma. Às vezes ele mexe um pouco os dedos, mas os médicos dizem que são apenas espasmos involuntários. Deram poucas chances de recuperação.
- Que coisa mais triste, eu não sei nem o que falar.
- Pois é. O que eu não me conformo é que ele ainda é tão novo. Mês passado completou vinte e três anos. Tinha toda a vida pela frente.
- Ele ainda tem, Plínio. – Tentou confortar Sofia segurando a mão do homem. – É uma situação delicada, mas você não deve perder as esperanças.
- Isso está ficando cada vez mais difícil, eu perdi minha esposa há pouco mais de um ano para um câncer, o Arthur foi tudo que me sobrou. Eu não posso perdê-lo também, não sei o que seria de mim. Estou tomando medicações extremamente fortes para passar por tudo isso. Os médicos me recomendaram o afastamento do serviço e se não fosse a única distração que tenho, teria acatado. Minha vida esta desmoronando aos poucos.
Sofia comovida, então se levantou e abraçou tenramente o homem que chorou em seus ombros.
- Escuta, você não está sozinho nessa. Se precisar de ajuda ou simplesmente de alguém para conversar e desabafar me liga. – Sugeriu sinceramente. - Vou marcar meu telefone para você.
A enfermeira então foi até o posto de enfermagem e voltou com uma folha de papel que entregou para Plínio.
- Este é o número do meu telefone, pode ligar quando quiser. – Reforçou Sofia.
Plínio correspondeu apenas com um sorriso tristonho.
Sofia voltou então a arrumar o restante das coisas que faltavam quando o enfermeiro do plantão se aproximou dela.
- Sofia, você já está indo? – Questionou ele.
- Estou sim, Reinaldo. – Respondeu a enfermeira. – Por quê? Está precisando de alguma coisa?
- Eu não. Mas acabei de receber uma ligação da secretária da Gaetano da supervisão pedindo para você falar com ela antes de ir embora.
- Ué? – Estranhou Sofia. – O que essa daí quer comigo?
- Isso eu já não sei. Ela só pediu para te dar o recado.
- Bom, então já vou subir e ver o que ela quer. Tchau Luzia, tchau meninas. – Despediu-se de todos. – Tchau Plínio. – Disse lhe acariciando o ombro. – Tenha força.
Ele lhe ergueu os olhos sem esperança e nada respondeu. Sofia comovida então deixou o setor.

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Elafium: A guerra oculta
Misterio / SuspensoCom o intuito de fugir dos fantasmas de seu passado, a enfermeira Sofia Guerra resolve começar uma vida nova longe de sua família, em Anga-Guaçú - cidade do interior paulista que começa a sofrer com o repentino crescimento desordenado trazido por g...