QUARENTA E SEIS

29 8 3
                                    


Pedro Golias sempre teve uma paixão incontrolável por desvendar mistérios. Desde muito novo devorava com enorme gula livros da série vaga-lume, ou mesmo de Raymond Chandler e Agatha Christie. O segredo dos outros era algo que lhe instigava desde que descobrira o caso que a mãe mantinha com um jovem empregado que limpava a piscina e os arredores de sua casa de campo.

Após o choque inicial, se deu conta que recolher mais detalhes sobre a traição da mãe lhe seria muito mais rentável do que fazer um escândalo ou se lamuriar para o resto da vida, foi então que percebeu o poder que uma informação poderia ter.

Para a sua mãe, ele não passava de um bilhete de loteria premiado, e desde muito cedo já havia entendido isso. Ouvia os cochichos dos empregados pela casa insinuando que o casamento com o seu pai teria sido apenas um golpe. Achava que o velho não duraria muito tempo. Então, como em um passe de mágica, lá estava ela grávida e casada. O marido - ao contrário do que imaginava – viveu muito tempo para a infernizar, deixando sempre muito claro que ela não passava de uma pobre interesseira que tinha sido comprada para satisfazer seus desejos.

Seus progenitores eram pessoas que Golias realmente não se orgulhava de ter tido.

O rapaz tinha sido rejeitado pelos pais desde o nascimento. O pai sempre fizera questão de frisar que ele não passava de uma aberração, uma brincadeira de mau gosto do destino com ele. Já a mãe simplesmente ignorava sua existência como se ele não passasse de um mero objeto na casa. Desde muito novo aprendera a odiar aquelas pessoas com todas as suas forças, e portanto quando teve a oportunidade de usar os segredos de sua mãe em favor próprio, não teve nenhuma crise de consciência e descaradamente chantageou a mulher que o colocara no mundo em troca apenas de respeito e satisfação pessoal. A paz reinou em sua casa durante os próximos seis anos quando enfim seu pai sofreu um acidente de lancha e acabou falecendo.

Sem obter mais o controle que exercia sobre a mãe as coisas acabaram perdendo a graça e Golias aos dezessete anos resolveu sair de casa abrindo mão de todo o luxo e dinheiro ao qual tinha direito.

No final, todo este processo acabou lhe despertando um interesse pelo lado oculto das pessoas e adorava jogar no ventilador os podres que desencavava. Naturalmente isso acabou lhe levando para a carreira de investigador.

Naquele fatídico dia encoberto pelos diversos segredos que ele próprio carregava nas costas, uma questão lhe atormentava imensamente lhe atiçando a curiosidade.

Afinal, o que raio aquela senhora estava pretendendo com ele?

Yasan Amina junto com seu fiel súdito o arrastaram para a região do lago Testrálio lhe obrigando a procurar por algo que nem mesmo ela sabia do que se tratava. Por um momento, enquanto tentava escapar das desconfianças do agente Wilson, aquilo lhe foi bastante conveniente, mas agora sua sempre desconfiada intuição começava a questionar as intenções da misteriosa velhinha.

- E ai rapaz, encontrou algo? – Questionou ela afoita.

- Não! Na verdade eu ainda não entendi o que quer que eu encontre.

- Eu já lhe disse milhões de vezes. – Respondeu perdendo a paciência. – Preciso que encontre algo estranho, incomum. Talvez uma criatura escondida por aí, quem sabe.

- Ok, isso eu já entendi. O que eu não sei é porque precisam de mim para isso. A senhora e o rapaz ali parecem tão aptos quanto eu para procurar qualquer coisa aqui. – Concluiu apontando com os olhos para Asher que vasculhava entre as cabanas de pescadores. – Sinceramente, não vejo como posso realmente lhes ajudar.

- Acontece meu querido, que sua natureza lhe permite ver coisas que nenhum Sareden consegue.

- Do que a senhora está falando? – Questionou Golias aparentemente confuso.

Amina se aproximou dele vagarosamente com olhar de desprezo.

- Essa sua tentativa inútil de parecer uma pessoa inocente pode ser eficaz com outros, mas não comigo. Você pode tentar esconder seus segredos até mesmo de você próprio rapaz, mas existem coisas que são impossíveis de se ocultar de uma velha como eu.

Golias abriu a boca para dizer algo, mas fechou na mesma hora. Detestava estar do outro lado da moeda.

- A senhora é uma pessoa bastante enigmática não é mesmo? – Disse finalmente em tom ameaçador. – Sabe, eu adoro enigmas. Talvez ainda haja tempo para lhe alertar que pode ser bastante perigoso despertar a minha curiosidade em algumas ocasiões.

Amina apenas lhe fuzilou com os olhos e sorriu com o canto dos lábios.

- Yasan, acho que encontrei algo! – Interrompeu Asher pousando entre eles.

Os dois então deixaram de lado as provocações e seguiram o guillen até uma cabana parcialmente destruída e revirada.

- Este local foi visitado a pouco tempo de acordo com as marcas de pegada. – Concluiu Asher apontando para o chão da pequena sala. – E eu encontrei isso aqui dentro também. – Continuou se encaminhando para o quarto.

Sobre um móvel antigo pousava algo colorido que desarmonizava completamente com o ambiente sujo e sem cor. Asher pegou o objeto e entregou para Amina. Tratava-se de uma pequena pena vermelha.

- Eles estiveram aqui. – Deduziu Amina imediatamente. – Procure por algo dentro deste quarto.

- Eu já vasculhei em todo canto, não tem nada de anormal aqui. Só sujeira. – Respondeu Asher.

- Mas deve ter algo. Para onde eles podem ter ido?

- Talvez ali dentro. – Respondeu Golias apontando para o velho e maltratado guarda-roupa como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

O móvel se encontrava entreaberto. Amina e Asher se aproximaram então e o abriram completamente, mas não encontraram nada.

- Do que você está falando? – Questionou a senhora.

- Vocês não estão vendo? – Respondeu Golias surpreso. – Tem uma espécie de abertura aí dentro. Parece uma passagem para uma campina ou colina, sei lá! – Concluiu enfiando a cabeça lá dentro para averiguar melhor.

Os dois Sareden trocaram olhares de satisfação sem comentar nada e puxaram o agente para fora do guarda-roupa.

- Muito obrigado pela sua ajuda. Foi de grande valia. – Disse Amina seguindo Asher que já desaparecia pelo fundo do móvel.

- Espera um pouco, vocês não podem me deixar aqui agora. – Respondeu Golias atravessando o portal atrás de Amina.

A pequena cabana então voltou a descansar tranquila por alguns instantes no fim daquela tarde, quando ruídos de pesados passos a invadiram mansamente. Alguém que ouvia tudo do lado de fora resolvera entrar na casa ao se certificar de que ninguém mais estava lá dentro.

Já no quarto, abriu a porta do guarda-roupa apenas para se assegurar do que já imaginava. Realmente não havia nada ali dentro.

Seguindo uma sólida conjectura baseada na conversa que ouvira, Alexandre Maia então se enfiou dentro do móvel imergindo pelo fundo feito um espectro.


Elafium: A guerra ocultaOnde histórias criam vida. Descubra agora