QUARENTA E DOIS

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Amina realmente estava disposta a descansar naquele final de tarde e esquecer - mesmo que momentaneamente - de todo o inferno que estava acontecendo em sua vida, mas sua cama parecia estar coberta por espinhos que lhe incomodavam até os ossos. A visão de Baruc transformado em uma estátua de gelo provavelmente iria lhe assombrar para toda a eternidade.

A que ponto teria chegado?

Durante toda sua vida como yasan na Terra, se orgulhara por fazer tudo o que estava ao seu alcance para manter a segurança de seus guillen em primeiro plano, mas nos últimos dias todo seu mundo virou de cabeça para baixo e teve que tomar decisões dolorosas que nunca antes lhe haviam passado pela cabeça.

Indiretamente acabou colocando seus protegidos em xeque e entregou a vida deles de bandeja para um maníaco sádico e inconsequente, aliado a um demônio poderoso capaz de passar por cima de qualquer um para conseguir o que deseja. Ela não poderia permitir que o Ovo de Kovarion caísse nas mãos de Il Sabar, só Eli-Adalar poderia saber o tamanho da destruição que ele causaria com tal artefato.

Em contrapartida, todas as armadilhas que havia caído no decorrer de seus milhares de anos de vida acabaram lhe ensinando que não era prudente confiar em qualquer um, mesmo que fosse um renomado e reverenciado irmão. Por esse motivo, ela sabia que entregar o carisman para o conselho Sareden não era a solução ideal para seus problemas. O artefato era algo muito perigoso para deixar sob os cuidados de qualquer um que não fosse ela própria naquele momento.

Infelizmente havia falhado ao acreditar que ninguém descobriria que mantinha o Ovo escondido, e isso resultou em duras consequências, pagas com as vidas de seus fiéis e inocentes guillen. Almir, Jamile, Sarina e até mesmo Baruc, o mais velho e experiente deles. Todos acabaram sucumbindo nessa maldita guerra oculta.

Na esperança de protegê-los, decidira não compartilhar sobre a existência do Ovo, mas acabou lhes deixando vulneráveis demais. Nunca se perdoaria por isso, mas sabia que precisava abrir mão de muitas coisas se quisesse vencer as batalhas que travava. Esta convicção não amenizava em nada a dor que sentia, mas ao menos sabia que estava fazendo a coisa certa.

Desistindo da cama se colocou em pé e parou em frente ao espelho para arrumar a cara amassada. Os anos lhe maltratavam o corpo e já quase não reconhecia mais o próprio reflexo. Um dos males de ser yasan é que ao contrário dos demais Sareden que permanecem jovens praticamente por toda a sua existência, as marcas do tempo lhe alvejavam de forma muito mais tardia que para um simples zamon, mas tão cruelmente quanto, e assim como qualquer um, também sofria com os maltratos da velhice. Ossos do ofício.

A janela do quarto permanecia aberta, e a morna brisa do verão lhe acariciava os cabelos grisalhos. Pegou novamente o bilhete que descansava sobre a penteadeira e o leu. Jamais havia pensado que aquilo aconteceria, não depois de tanto tempo. Com ódio, amassou o pedaço de papel e o arremessou para um canto do móvel.

Empunhando a escova de cabelos, resolveu se concentrar novamente em sua imagem ignorando por um momento aquele assunto, quando pelo reflexo do espelho percebeu a fagulha dourada entrar pela janela dançando desnorteadamente até parar no meio do cômodo. Uma forte e silenciosa explosão de luz tomou o quarto e então duas pessoas se materializaram. Um pahtraco um pouco mais forte - porém tão pálido quanto o que a visitara outro dia - e um outro homem já conhecido por Amina.

Chamava-se Henoque. Mantinha os cabelos escuros penteados impecavelmente para trás, era esguio feito uma serpente e possuía olhos castanhos igualmente hipnotizantes que a encaravam com certo desdém sobre o fino e pontudo nariz.

Elafium: A guerra ocultaOnde histórias criam vida. Descubra agora