O cheiro da carne queimada invadia as narinas e o estalo das chamas trabalhando incitava os ouvidos.
A poderosa e bela torre de fogo conjurada por Zaaria, alvejava com furor o corpo sem vida de Micaela. E então, com outro movimento súbito, a beriarti fez com que as chamas cessassem totalmente.
- Contemplem a verdadeira face de sua zarifon. – Incitou em seguida.
O terror mal tinha abandonado seus olhos quando Zuriel se viu de frente àquela cena.
As roupas, pele e cabelo haviam sido consumidos pelas chamas, e o rubor que tomava aquilo que sobrara, se extinguia vagarosamente revelando algo com a aparência bastante distinta de um guillen.
Restara ali o corpo de uma criatura extremamente magra coberta por uma espécie de couro acinzentado. Não possuía feições nem ao menos orifícios, parecia apenas com uma pessoa enrolada na pele de um elefante.
- Não é possível! Um baskivan! – Reconheceu Estéfano admirado.
Os demais permaneciam observando a recente descoberta com espanto e grande dificuldade para digerir a informação.
- Só para ficar claro mah duk, no caso de vocês ainda não terem entendido. – Zombou Zaaria. – Sua fiel kifon este tempo todo era na verdade um inveterado beriarti disfarçado, trabalhando para mim.
- Isso não é possível.
- Eu sei que você deve estar se sentindo um completo idiota, mas não tem necessidade disso Zuriel. A culpa não é sua. – Continuou Zaaria. – Guillen são apenas soldados cegos, que se esforçam tanto para evitar uma guerra eminente que deixam de perceber que já estão vivendo ela. Afinal, vocês só servem para seguir ordens sem questioná-las ou analisar o que realmente está acontecendo ao redor. – Continuou se aproximando e acariciando o queixo de Zuriel. – Vocês são dominados pela cúpula regente do Ehden e os servem de olhos vendados sem saberem que não passam de cordeiros oferecidos em sacrifício para manterem acesa a ilusão de que tudo está bem. Mas adivinha só? Nada está bem! – Concluiu com os olhos em chamas. - Este kispine inútil que seguem com tanta perseverança não passa de uma baboseira infundada de que a paz está garantida. De que este mundinho patético e este jogo ridículo para acumular yasamon estão a salvos enquanto os fiéis e heróicos guillen lutarem pela humanidade. Mas não se iluda, a Elafium vai acontecer não importa o quanto vocês lutem para impedir. Esta guerra já está vencida e Il Sabar ressurgirá para dominar a todos que se opuserem a ele.
O silêncio imperou por vários segundos enquanto o quarteto ajoelhado e contido pelas correntes de Vikusgan, permaneciam incrédulos admirando o corpo da criatura à sua frente.
- Parecem que finalmente entenderam que isso não é uma brincadeira, não é mesmo? – Constatou Zaaria.
Zuriel levantou a cabeça por um instante e visivelmente decepcionado encarou Zaaria antes de perguntar.
- Como foi que conseguiram nos enganar dessa maneira?
- Fora a intrínseca ignorância de vocês, eu a treinei muito bem Zuriel. Apenas isso.
- Não pode ser. Ao menos minha yasan teria percebido, mas até ela foi enganada.
Zaaria apenas sorriu enigmaticamente erguendo uma das sobrancelhas.
- Nahasham! Não é possível. – Continuou Zuriel descrente da teoria que lhe surgia na cabeça. – A yasan sabia dessa farsa toda?
Amina, visivelmente constrangida, se mantinha de cabeça baixa sem conseguir responder a pergunta.
- Fala! – Gritou Zuriel. – Você sabia?
- Quando eu descobri já era tarde Zuriel. – Respondeu a senhora sem levantar a cabeça. – Poderia comprometer a todos e portanto achei melhor não lhes contar nada.
- Como foi capaz de fazer isso conosco? – Gritou o Sareden. – Desde quando sabia disso?
- Só tive certeza depois que a levei até Salvey, o ksha-bal.
- Depois do ataque do gohren. – Concluiu Zuriel. – Foi por isso que a sarialam não quis ajudá-la quando solicitamos, porque Micaela não era um Sareden.
- Salvey me enganou. – Continuou Amina. – Só me revelou que se tratava de um baskivan depois de já termos firmado o acordo. Não tinha mais como voltar atrás. – Juntando alguma coragem, levantou os olhos para encarar o pupilo. – Zuriel eu não podia revelar nada a vocês. Poderíamos todos ser condenados pelo Conselho Sareden se eles descobrissem que tínhamos adotado um beriarti como cúmplice.
- Porque então não deu um fim na criatura assim que descobriu? – Questionou Estéfano.
- Eu tentei, essa era a minha intenção, mas depois de quase perde-la Zuriel ficou muito apegado a ela e não a deixava sozinha. Achei então que se eu simplesmente a eliminasse, talvez ele não conseguisse superar a dor e colocasse tudo a perder. Eu então resolvi mantê-la sobre vigilância e prorrogar esse plano até ter certeza que todo grupo estaria mais estável para lidar com a morte de uma zarifon, mas depois começaram todas essas mortes e tive que me concentrar em descobrir o que estava acontecendo.
- E você não sabia que ela trabalhava para esta outra criatura? – Interrogou Estéfano novamente.
- Ela não trabalhava, eu investiguei muito bem isso. Apesar de ser uma beriarti, ela não tinha um mestre e era fiel a nossa Casa. Zaaria provavelmente a convenceu de alguma maneira recentemente. Eu só descobri isso hoje quando encontrei um bilhete em meu quarto com a confissão do baskivan.
- Você foi muito ingênua em acreditar que um beriarti poderia ser fiel a um Sareden. – Concluiu Estéfano.
- Pode ser, mas eu tinha muito a perder, então resolvi arriscar. – Respondeu Amina novamente procurando o olhar de Zuriel. – Mah dashinen, o tempo todo eu só estava pensando em nossa Casa, em protegê-la de todo o mal.
- Você só estava pensando em si própria. – Lamentou Zuriel com a voz cansada. – Colocou todos em risco apenas para não se comprometer com o Conselho. Está sempre nos enganando e fingindo ser algo que de fato não é, trabalhando pelas nossas costas. Eu desisto, simplesmente desisto de considerá-la mah yasan. Não dá para chamar assim alguém que não consigo mais confiar
Um intenso silêncio sobreveio após aquelas palavras.
- Oloarmen! Após tudo esclarecido podemos continuar então. – Alertou Zaaria transpondo o clima pesado que pairava. - Já temos uma kasini, já temos o ovo de Kovarion, já temos algumas almas de Sareden para preencher o ovo. Acredito então que devemos seguir com as execuções.
- Eu gostaria apenas de fazer uma pergunta antes disso. – Solicitou Zuriel interrompendo a beriarti.
Zaaria lhe examinou com reticência.
- Não que vocês tenham esse direito, mas me deixou curiosa agora, então prossiga. Pergunte o que deseja.
O guillen a observou por alguns instantes com um estranho olhar triste, antes de questioná-la
- Quem é você afinal? Porque nutre tanto ódio por nossa Casa?
Zaaria involuntariamente iniciou uma seqüência de ludibriosas e agudas gargalhadas.
- Não é possível que depois de tudo isso você ainda tenha coragem de fazer esta pergunta.
- Como assim? Do que está falando? – A mente confusa de Zuriel parecia não conseguir mais raciocinar.
- Zuriel, mah dashinen! – Intrometeu-se então Amina movida pela compaixão ao seu guillen. – Eu sei que é difícil de acreditar, mas essa tenebrosa criatura nascida das chamas do Ascor na sua frente, é na verdade Micaela.
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Elafium: A guerra oculta
Mistero / ThrillerCom o intuito de fugir dos fantasmas de seu passado, a enfermeira Sofia Guerra resolve começar uma vida nova longe de sua família, em Anga-Guaçú - cidade do interior paulista que começa a sofrer com o repentino crescimento desordenado trazido por g...