SETE

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Desde que começara a trabalhar, não se lembrava de um momento sequer que tivesse tirado para ficar à toa. Sofia nunca ficara desempregada, emendava um emprego a outro sempre que percebia suas oportunidades esgotarem, e os poucos períodos de férias que havia tirado eram sempre programados para coincidirem com empregos temporários ou voluntários. Por algum motivo não se permitia descansar, parecia que precisava estar sempre engajada com algo útil.

Sua mãe e irmã a convidavam exaustivamente para viajarem juntas, mas Sofia sempre arranjava uma desculpa e acabava recusando. Por fim as duas aos poucos resolveram excluí-la de seus planos, o máximo que conseguiam dela era um almoço ou jantar em família nos seus dias de folga, o que há muito tempo não acontecia devido ao fato de estar morando tão longe de São Paulo agora. Na verdade esse era o pretexto ideal para manter a curiosidade e conversas repetitivas de sua família afastadas. Estava cansada de ouvir que precisava se casar, que sua mãe não viveria o suficiente para conhecer seus filhos, que seus sobrinhos não teriam primos e outras tantas baboseiras e chatices que elas irritantemente insistiam em lhe dizer. Apesar de explicar com exaustão – e até paciência em determinados momentos - elas simplesmente ignoravam o fato de se sentir satisfeita daquela maneira, como se fosse um absurdo optar por não querer formar uma família. Já se considerava uma pessoa suficientemente complicada sozinha, seria até injusto expandir isso para mais inocentes, além de ter certeza que dois seres humanos – sinceros – não teriam a capacidade de conviver amigavelmente por muito tempo, então o desgaste de tentativas fadadas ao fracasso e ao esgotamento emocional lhe parecia sem sentido.

De qualquer maneira, aos seus olhos, a culpa de toda a tortura sonora forçada por sua família era de sua irmã. Carolina simplesmente já havia nascido sendo a filha perfeita, o presente divino. Era a mais bonita, mais bem arrumada, mais inteligente, mais simpática, mais alta e diversos outros "mais" que a deprimiam sempre que pensava a respeito. Ela se encaixava em todos os padrões esperados por sua mãe que não conseguiu disfarçar a decepção de não conceber uma Carolina 2.0 quando foi a vez de Sofia corresponder.

Durante toda sua vida travara uma guerra de comparações dentro de sua própria casa, como se a irmã fosse o símbolo da perfeição que ela deveria alcançar um dia. Demorou muitos anos para se aceitar como uma pessoa diferente, portanto quando se lembrava que faziam diversos meses que não se encontrava com nenhuma das duas, sentia certo alivio na alma e a dura escolha que a distanciou do local onde fora criada e conhecia como a palma da mão, no fim se concretizou como a descoberta de um refúgio onde poderia ser ela mesma sem cobranças desnecessárias.

Em seus primeiros momentos dessas férias não planejadas, ainda não havia conseguido fazer nada que realmente lhe pudesse animar, até cogitara iniciar uma partida de Black Ops, mas não tinha conseguido reunir coragem suficiente. O máximo que tinha conseguido fazer até então era ficar jogada no sofá de sua casa assistindo Clube dos Cinco – um dos filmes preferidos de sua irmã - pela enésima vez na Sessão da Tarde. Algo que não estava colaborando em nada para a retomada do ânimo perdido.

Sofia havia alugado um sobrado pequeno, apesar dos cômodos suficientemente confortáveis em tamanho, com apenas dois quartos, sala e cozinha. Ficava no Jardim de Águas, um bairro tranqüilo de Anga-Guaçú a poucos minutos do centro da cidade e portanto também do hospital. Suas únicas exigências eram ter uma cama bastante confortável e um quintal suficientemente espaçoso para as brincadeiras de seu fiel companheiro Marvin - um Pug de quatro anos e pelos marrom, bastante bagunceiro apesar da eterna cara tristonha - que havia ganhado de um ex-namorado dias antes do término do relacionamento. A única paixão de Sofia era tratada como um verdadeiro filho.

Por este motivo Marvin permanecia fielmente deitado em seu colo enquanto assistia ao tal filme terminar. A casa começava a ser tomada pelas sombras do anoitecer. No chão, vestígios de pipocas e bolachas se espalhavam pela sala. Seu telefone celular estava deitado sobre a mesa de centro e depois de diversas chamadas ignoradas, resolveu desligar de vez o aparelho para que nenhum som lhe perturbasse. Mesmo a televisão estava ligada em um volume quase inaudível fazendo com que Marvin caísse em uma deliciosa soneca. Sofia ainda estava com os pensamentos a mil e precisava resfriá-los de alguma maneira.

Elafium: A guerra ocultaOnde histórias criam vida. Descubra agora