Cidade de Magia - Contos de Espinhos

Livro fechado

Me inclinei para trás e para frente enquanto tentava manter o livro sobre minha cabeça, mas minhas tentativas resultaram em nada além de falha. O livro caiu bem na minha frente. Encolhi meus ombros com o baque e fechei minha mandíbula com força. Quando o livro terminou sua viajem ao chão e parou aberto olhei para o lado. Akira tinha as duas mãos atrás do corpo, estava usando a máscara de corvo com penas negras em cascata em sua cabeça parecendo cabelo de longe, percebi que o cabelo branco que achava ser cabelo na verdade também eram penas, por fim tudo o que sabia da aparência de Akira era que tinha uma altura imponente, pele muito pálida e que tinha mãos calejadas que ele mantinha a maior parte do tempo fechadas em punho. Não sabia se ele me olhava com resignação ou se ria por trás daquela máscara, custava a acreditar no segundo. Ele apenas meneou a cabeça e eu peguei o livro do chão.
Era o segundo dia que treinava com ele, o primeiro foi inteiro para equilibrar um livro sobre a cabeça, foi arduoso para mim e quando finalmente consegui andar por todo o perímetro da casa ele disse que eu podia ir paa casa. Hoje, depois da aula, tive que vir diretamente para a casa dele, fui surpreendida por um conjunto de roupas muito parecidas com as dele bem na entrada. Disse que eu deveria me trocar, claro, segui as instruções. Vestida nas roupas, que descobri que na verdade incluíam calças muito folgadas e não saia, voltei à sala empolgada para fazer algo diferente, já que estava me animando com a ideia de dominar aquele fogo, Akira me entregou o mesmo livro do dia anterior e se sentou em uma das almofadas. Coloquei ele sobre a cabeça voltando ao meu anterior estado de tédio e comecei a andar, logo descobri que as roupas atrapalhavam consideravelmente, quando não pisava na barra da calça ou topava em uma das almofadas me desequilibrava evitando a barra e de toda forma o livro ia ao chão. Já haviam sido incontáveis vezes quando peguei o livro mais uma vez do chão e o analisei, estava ficando danificado, a capa tinha os cantos amassados algumas páginas dobradas. Olhei para Akira.
- Não tem problema?
Ele ergueu a cabeça.
- O livro está ficando amassado.
Minha afirmação não surtiu reação alguma nele.
- Não é importante?
- Não.
Ele respondeu friamente. Suspirei e voltei a andar com o livro. Estava ficando chateada com todo aquele silêncio.
- Onde você vive?
- Monte Jiyufu.
Ele era muito objetivo em suas respostas. Parei de andar ficando de frente para ele.
- Como é lá?
- Calmo.
Invoquei toda a minha paciência, ele era mais velho, tinha que ter respeito.
- Sua casa é confortável?
- Sim.
- Quantos mais vivem com você?
- Todos os meus irmãos.
- Eles são legais?
- As vezes.
- É divertido ter irmãos?
Sorri com a imagem que veio à minha cabeça, uma família enorme, um casal feliz e unido, vários irmãos brigando e rindo entre si. Um ambiente o qual jamais estaria inserida.
- Depende.
Sorri satisfeita. Iria conseguir que mais de uma oração saisse da boca dele.
- Do quê?
- De qual irmão se tem como referência. Muitos são insuportáveis enquanto outros são boas companhias.
- Você não gosta de todos os seus irmãos?
Ele virou a cabeça.
- Alguns não gostam de mim.
- Por que?
Ele se voltou para mim, ergueu um dedo e o girou no ar.
- Andando.
Suspirei e peguei o livro novamente. Ele era muito fechado. Era difícil aceitar alguém como ele ensinando uma das coisas mais importantes da minha vida. Quase não falava nada sobre si. Sorri secretamente. Com três dias tinha conseguido boas informações. Akira não é o verdadeiro nome e tinha algum problema com os irmãos.
Percebi tarde demais o que tinha acabado de fazer. Meu rosto já ia ao chão quando notei ter pisado na barra da calça mais uma vez, já era tarde para me reequilibrar. Caí de cara no chão.

×××
Tirya caindo: cômico.