Ela passou as unhas grandes pela pele acinzentada, os olhos amarelos passando por mim e Ryan. Quando ela abriu a boca vi que quase não tinha dentes.
- Nem pensem em correr. É exaustivo. E você, bonitinho, você não vai lutar.
Ela apontou para Ryan. Eu senti o suor frio em minha testa. Eu soube que aquilo era ruim, péssimo. Ela começou a falar algo e assim que terminou Ryan se lançou ao chão no mesmo instante em que um raio de luz roxo disparou do dedo dela até Ryan, mas acertou uma árvore mais atrás.
- O que eu disse? Para sair pulando por aí?
Ela olhou para mim, os olhos amarelos de réptil e o rosto dela se contorceu.
- Não!
Ela puxou algo da cintura, um pedaço retorcido e fino de madeira, e o apontou para mim.
- Agora, você.
Eu vi tudo acontecer devagar. Ela firmando a mão, a boca dela se abrir em um sorriso vazio, um brilho surgir na ponta da madeira e então tudo caindo. O raio passou bem acima da minha cabeça enquanto eu ia ao chão, mas caí em cima de Ryan.
- Você é um vegetal? Corra!
Eu obedeci e me levantei com pressa, deslizando pela neve corri em qualquer direção, Ryan ficou para trás. Quando percebi isso e parei ele falou, de costas para mim.
- Encontre a mochila!
A mochila! Nós tínhamos deixado a mochila dele na floresta, com as espadas! Do outro lado da cidade. Não perdi mais tempo e corri circundando os muros. Esperava que ele ficasse bem enquanto isso.
Correr na neve era muito difícil, mas consegui achar um jeito mais fácil, permaneci próxima ao muro assim não corria o risco de me perder. Demorou mais do que eu esperava para chegar ao outro lado, minha garganta ardia por respirar pela boca. Quando enfim cheguei me joguei no chão de joelhos próxima ao muro, onde tinha um arranhão na pedra feito por Ryan, então comecei a cavar a neve. Ele tinha enterrado muito fundo e ainda tinha nevado mais desde o dia anterior. Cada segundo era uma tormenta e cada centímetro um desespero. Meus braços começaram a doer e meus dedos a arder de tanto colidir com a neve.
- Me use.
Era a voz do homem.
- Não escute ele, pode queimar a mochila. Me use.
A mulher soou mais próxima. Como eu usaria ela? Com o fogo eu poderia derreter aquilo tão rápido e eu tinha começado a controlar, mas ela tinha razão. Eu podia queimar mais que a neve.
- Me ajude.
Falei para ela. Então eu senti minhas mãos diferentes e quando olhei para elas vi que eram garras. Garras como as do sonho. O pavor me tomou. Então aquilo podia ser real. O que a menina tinha dito... Não! Eu tinha que ajudar Ryan, não podia perder tempo considerando coisas que eu via quando dormia. Voltei a cavar e dessa vez eu conseguia ir mais fundo, eu tinha mais força e era mais rápida. Consegui alcançar a mochila, mas não quis saber dela. As garras sumiram e não posso negar como fiquei aliviada, peguei as duas espadas e voltei a correr. Dessa vez eu me sentia revigorada e era mais veloz.
Eu não precisei ir muito longe, logo eu vi a bruxa andando com calma na minha direção.
- Onde...?
Ela inclinou a cabeça.
- Onde está o bonitinho? Ele está dormindo na neve, com sangue escorrendo dele. - ela sorriu - Sabe o que torna os deuses expulsos tão fracos?
Segurei uma espada em cada mão. Deixei a raiva se apoderar de mim. Eu não sabia lutar, mas não importava, iria usar aquelas espadas com tudo de mim. Se eu não tinha o fogo eu teria a arma.
- Eles não podem usar os poderes deles. O que é uma pena, já que eles são os mais fortes. Mas uma palavra dos reconhecidos e eles não podem fazer nada e quando fazem... eles ficam fracos, quase mortais.
Ela tinha parado, o sorriso psicotico no rosto de pele dura. Avancei contra ela com velocidade máxima. As duas espadas apontadas para o estômago dela. Mas a menos de um metro ela girou e saiu ilesa de meu ataque. Não me deixei ir muito adiante e girei infligindo Tyrfing contra ela, na altura da cabeça. Eu não me importava mais se seria chamada de assassina, não naquele instante. Mas ela foi para trás com um sorriso que se desfez aos poucos. Parti para outro ataque e eu vi que ia acertar, bem no estômago. A espada pesada de Ryan na direção certa, eu quase senti ela se chocar contra a carne, mas então não havia nada.
Nada.
Permaneci na pose até ver a bruxa bem mais à frente. Os olhos ardiam com ódio. Eu vi um líquido amarelo escorrer pelo rosto dela de uma fenda fina, percebi com horror que era sangue.
- Você vai ver...
O corpo dela inteiro tremeu. Ela ergueu as duas mãos as apontando para mim e começou a resmungar. Eu senti um aperto em meu pescoço que cresceu e o ar me faltou. Soltei as espadas e tentei tirar o que quer que fizesse o aperto, mas não havia nada. Tudo o que eu via era aquele rosto horrendo repleto de ódio. Ia morrer ali. Nas mãos de uma bruxa, com Ryan sangrando em algum lugar sozinho, e eu jamais teria a resposta de nenhuma das milhares de perguntas que eu tinha feito.
Mas não foi o que aconteceu. Enquanto sufocava e a consciência ameaçava falhar eu vi espanto no rosto da bruxa e uma grande sombra negra surguir entre nós. Um rosnado e o aperto sumiu. Cai de joelhos enfim respirando e quando olhei para a frente vi o enorme lobo negro.
- O que você pensa que está fazendo? Ela fugiu do feitiço! As ordens são para matar.
Mais um rosnado. Eu não conseguia ver a bruxa direito com o lobo na minha frente.
- Ele saberá disso, Sef. Ele saberá.
E ela sumiu, eu me inclinei para ver se ela não tinha apenas se movido, mas havia mesmo sumido.
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Cidade de Magia - Contos de Espinhos
FantasyTirya está a caminho da Cidade dos Contos, onde nem todo conto tem um final feliz. Além de ter que suportar um superior de uma personalidade complicada e mais uma vez ficar sozinha ela vai ter que enfrentar os perigos e criaturas da Floresta sem f...