Água não foi difícil de conseguir, mas comida... eu temia que morressemos de fome antes de Ryan acordar. Havia passado uma noite e já era fim da tarde e ele continuava de olhos fechados, mas aos poucos pude ver ele ganhar mais vida, a pele tomando cor e eu podendo tirar a atadura e substituir por outro rasgo de minha camisola, eu tinha apenas uma manga agora e a roupa terminava nos meus joelhos. O frio ainda não me incomodava, mas eu vi Ryan tremer durante a noite. Me aconcheguei a Sef com ele do meu lado. O lobo pareceu rejeitar a ideia quando eu o chamei para perto de Ryan, mas com um olhar ele mudou de ideia. Bastou um dia para que eu aprendesse a falar com Sef apenas com olhares e pequenos gestos e percebi que ele era mais comunicativo que aparentava. A companhia dele era meu reconfortante, se eu fosse a única coisa que se mexia naquela caverna iria a loucura mais rápido que meus inscius estavam deixando. Depois do breve conflito com a bruxa eles tinham passado a falar com mais frequência, o homem insistindo que eu acendesse uma fogueira, que o usasse e deixasse a outra de lado e ela dizendo como eu devia fazer com Ryan, mesmo que eu já soubesse que precisava levantar bem a cabeça dele para dá-lo água ela ainda o falava, era quase como uma mãe ou irmã mais velha. Eu tentava ignorar os dois, ele gritando comigo quando eu fazia aquilo, as vezes ele elevava tanto a voz que era impossível não me encolher, já ela agia normalmente, quando aparecia ela sorria.
Eles eram como a representação de fogo, indomável, quente e furioso, e ela a neve, quieta, bela e paciente.
Sef não se incomodou em permanecer conosco, quis perguntar-lhe se ficaria até qie Ryan acordasse, mas temi que se o fizesse ele partisse.
A noite chegou. Meu estômago reclamava por comida e eu estava cansada. Tão cansada...
Abri meus olhos em um susto. Eu tinha dormido. Estava escuro, mas ainda era possível ver, quase com clareza. Ryan estava tremendo outra vez, me aproximei dele. Os dentes batendo. Peguei em seu rosto. Se estava frio eu já não sabia mais, não sentia desde o começo do dia, esperava que fosse um bom sinal. Levantei meu rosto para procurar por Sef, mas não encontrei a mancha mais escura em nenhum canto, olhei para o lado de fora e tudo o que vi foi a mancha azul da neve e floresta.
Um calafrio percorreu minha espinha.
- Sef?
O chamei esperando que aparecesse das sombras a qualquer momento e quando ele não apareceu comecei a temer o retorno da bruxa. E se ela estivesse lá fora, só esperando que ele fosse embora para terminar o que tinha começado? Levei a mão ao pescoço e engoli em seco. Sef, por que tinha saído?
Senti as correntes de metal no pescoço e lembrei da cordinha de lã presa na corrente. Olhei para Ryan. Ele precisava de ajuda. Baba podia ser uma bruxa temida, mas ela tinha me ajudado antes e tinha me oferecido outra ajuda. Ela tinha o creme mágico, talvez tivesse uma sopa ou poção.
Tirei os cordões de dentro de minha roupa, desamarrei a cordinha e a segurei com as duas mãos esticando ela na minha frente. Eu só precisava partir aquilo. Esperei uma respiração e rompi o pedaço de lã. Torcia que não tivesse atraído a morte para nós mais cedo. Esperei ao lado de Ryan.
Mas nada aconteceu. Nada de alguém se materializar na minha frente, nenhuma senhora entrou na caverna e tudo o que escutava era a respiração de Ryan que ecoava pelas pedras e o vento assobiando do lado de fora.
Esperei por bastante tempo enquanto via Ryan tremer. Esperei enquanto olhava com pavor para a entrada da caverna. Eu esperei. Mas ela não veio. Então peguei as duas espadas e me sentei ao lado de Ryan, sem toca-lo pois temia que estivesse mais fria que a noite.
Fiquei ali, sentada com as espadas nas mãos por horas, acredito, até que o sono e cansaço me venceram.Abri meus olhos devagar quando percebi que estava claro. A lareira estava acesa e eu estava coberta por algum tecido grosso e quente.
Me levantei em um sobressalto. Eu não estava mais na caverna e eu não via Ryan.
Demorei para reconhecer a cabana. Baba tinha vindo! Mas teria ela ajudado apenas a mim? E Ryan? Eu queria que ela ajudasse Ryan.
- Se está procurando pelo deus eu já cuidei dele.
Baba entrou na sala com uma tigela na mão e a colocou sobre a mesa. Mas, notei, aquela não era a mesma Baba que eu tinha visto antes. Ainda era reconhecível, mas muito jovem, alta e elegante, não era de uma beleza estupenda, mas sua postura a fazia parecer superior a muitas beldades.
- Você pediu minha ajuda cedo demais. Mas eu já sabia que faria isso.
- Por que cedo demais?
- Seu deus ficará bem, a imortalidade não permite que um deus morra por coisas mundanas, como frio ou um corte daquele, mesmo com o veneno ele ainda não morreria, apenas ficaria fraco por mais alguns dias, até lá você estaria fraca de fome, mas ainda ficariam bem.
- Por que eu iria precisar de sua ajuda depois?
Ela serviu algo de um pequeno caldeirão na tigela e colocou sobre a mesa na frente de uma cadeira vazia e depois se sentou na cedeira de balanço.
- Sei que tem muitas perguntas, mas não posso responder todas. Iria tirá-la da sua linha de destino. Coma.
Me sentei na cadeira e peguei a colher.
- Você se pergunta o que é. - a encarei ansiosa. - Isso, você descobrirá mais cedo do que pensa.
Deixei meus ombros caírem comecei a comer o mingau.
- Você se pergunta porque eu a ajudei. Se isso significa que é boa. Sim, eu só ajudo os puros de coração, mas isso não se aplica a você ou ao seu deus ou ao seu lobo. Vocês três têm o que os contos pedem, vocês três não são puros, mas não são corrompidos.Seu coração está dividido. Você não é boa nem má. Nos contos sempre há a batalha entre luz e trevas, mas o que ninguém nota é que para ter um conto luz e trevas também lutam lado a lado. Uma princesa pura de coração com uma alma bondosa e um príncipe encantado, que luta pela princesa para a salvar do mal. Ele é destruição, ele mata o mal e eles podem viver felizes para sempre. Essa é a regra, o mal nunca é exterminado ele é visto de outra forma, apenas. Não existe luz sem sombra nem sombra sem luz. Mas eles andam separados a muito tempo. Pessoas pertencentes aos dois não surgem com frequência e agora que temos mais dois o conto vai surgir. Agora quem terá o felizes para sempre no final ainda há de escolher.
- Então eu...
- Eu escolho as perguntas que vou responder, menina. Você não é boa nem má. É luz e trevas, por isso eu decidi ajudá-la.
Voltei a comer, tentando encontrar as entrelinhas.
- Outra coisa, você acha que ama, mas ainda não reconhece seu amor. Vai entender em breve.
- O que? Está dizendo que eu não... Não amo o Shun!?
- Estou. E eu escolho as perguntas. Seu lobo, vai encontrar ele logo. E você também se engana quanto aos seus inscius, você não se conhece ainda.
Eu já estava cansada daquilo. De não me conhecer.
- Tenho um conselho. Leve o gato com você, ele vai ajudar.
- Para onde?
- Vai saber.
- Como você sabe de tudo que vai acontecer? Como sabe as respostas?
- Por que eu já vi.
Quando olhei para ela os olhos dela estavam vermelhos.
- Saiba que você deve lutar, nunca deixe de lutar, se o fizer então terá escolhido ser o mal.
Ela se levantou.
- Agora, você e seu deus devem voltar. Não posso mais lhe oferecer ajuda.
Quando fui questioná-la mais uma vez tudo sumiu. A cabana, a mesa, a cadeira, ela. Eu caí sentada na caverna e quando olhei ao redor vi Ryan deitado na caverna, corri até ele, ainda estava inconsciente, mas agora ele aparentava estar melhor. Suspirei.
O que Baba tinha dito me deixou mais confusa do que tinha me respondido perguntas.×××
Cap gigante...
Amanhã nao posso garantir cap.
Desculpem, mas sabado é quase certeza.
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Cidade de Magia - Contos de Espinhos
FantasyTirya está a caminho da Cidade dos Contos, onde nem todo conto tem um final feliz. Além de ter que suportar um superior de uma personalidade complicada e mais uma vez ficar sozinha ela vai ter que enfrentar os perigos e criaturas da Floresta sem f...